O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) considerou ilegal o despedimento, em 2021, de um supervisor de armazém que tinha sido demitido por, alegadamente, ter assediado sexualmente dois colegas de trabalho.
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O supervisor era responsável pela entrega de fardamento e equipamentos de proteção individual aos colegas, e foi nessas funções que foi alvo de queixa de dois colegas por alegado assédio sexual. Uma tese que não ficou provada e que vai obrigar a empresa a indemnizar aquele funcionário.
O primeiro episódio de alegado assédio aconteceu quando o supervisor se encontrava numa sala sozinho com um novo colega e lhe entregou umas calças de tamanho 42, que não lhe serviam. Comentou então que "os brasileiros têm um peru grande", referindo-se ao pénis, e afirmou que não sabia como é que o colega aguentava "ficar tanto tempo sozinho", uma vez que estava a viver em Portugal há três anos sem a companhia da esposa, que vivia no Brasil. "Você está a precisar de se aliviar", disse. No final da conversa, o brasileiro apertou-lhe a mão, ao que o outro aproveitou para lhe passar o dedo na palma.
Culposo mas não grave
O outro caso ocorreu após uma ação de formação, quando um trabalhador foi levantar o fardamento ao local indicado, juntamente com vários colegas. Todos ficaram de roupa interior, com exceção daquele, que se despiu completamente. Nessa altura, o supervisor olhou e tocou no seu próprio órgão sexual. Acabaram por ficar os dois sozinhos na sala, tendo o supervisor referido que, se soubesse que ele não usava roupa interior, o teria posto numa sala à parte.
Segundo o acórdão do TRC, proferido em 12 de maio, não se provou o assédio sexual, nem que o trabalhador tenha adotado um comportamento ilícito e intencional que tivesse tamanha gravidade que justificasse o despedimento do supervisor. Havendo alguma infração, bastaria uma sanção conservatória, admitiram os juízes, reconhecendo que o trabalhador teve "um comportamento culposo, violador dos deveres de respeito e probidade, e de zelo e diligência, mas não assume gravidade, nem as suas consequências são de molde a concluir pela impossibilidade e subsistência da relação de trabalho".
Para o tribunal, a empresa não provou que os comportamentos do trabalhador tenham perturbado os trabalhadores de modo que lhes tenha afetado a dignidade ou criado um ambiente "intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador". "Com efeito era necessária intenção, o dolo, por parte do autor (não conduta meramente negligente), que tivesse essas consequências ou efeitos", justificou.
"O facto de olhar ou de tocar o próprio órgão sexual, sem se apurar o significado de tais condutas, não implica só por si um atentado contra a liberdade do trabalhador (...), nomeadamente que houvesse o perigo de prática de atos sexuais indesejados posteriormente", defendem os desembargadores.
Não será reintegrado
No caso que envolveu um trabalhador brasileiro, não resultou provada a intenção específica de constranger ou afetar a sua dignidade, nem que a conversa tivesse teor sexual explícito. Mesmo o toque com o dedo na palma da mão do outro não se provou que tivesse sido um "convite para ato sexual", concluíram.
O TRC decidiu então que "a empresa deve pagar ao autor uma indemnização em substituição da reintegração", no valor de 17 587 euros, mais o montante dos salários (1115 euros por mês) que teria recebido a data do despedimento, dezembro de 2021, e do trânsito em julgado da decisão. Receberá ainda 500 euros por danos não patrimoniais.
Empresa fala em crime, mas Relação ignora
Em recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, após a sua condenação no Juízo do Trabalho de Leiria, a empresa alegou que os comportamentos adotados pelo supervisor, para além de se traduzirem na prática de um ilícito de natureza disciplinar, até poderiam configurar a prática de crime de importunação sexual. "Essa conduta acarreta uma grave e irremediável crise de confiança da empregadora neste seu trabalhador, por esta justamente recear que práticas idênticas se possam repetir, criando no seu espírito a dúvida legítima sobre a sua idoneidade futura", alegou. Estando em causa um processo laboral, a Relação dispensou-se de responder sequer àquela tentativa de dar um cunho criminal ao caso.
Pormenores
Assumidamente gay
O supervisor viveu em união de facto durante vários anos e é casado com um homem que também trabalhou na mesma empresa. A sua orientação sexual era conhecida na empresa.
Folha limpa
Para o tribunal, também pesou o vínculo de 14 anos entre o supervisor e a empresa e o comportamento exemplar. "Sempre teve um excelente relacionamento com colegas e superiores hierárquicos; ao longo dos anos, foi ascendendo na carreira; nunca foi arguido em nenhum processo disciplinar, foi promovido pela empresa, que reconheceu o seu mérito, respeito e competência, lealdade e dedicação e é uma pessoa sem caráter conflituoso", disse.