Magistrados consideraram que antigo patrão do Grupo BES desviou 10,7 milhões de euros do Grupo Espírito Santos entre 2010 e 2011. Ex-banqueiro foi condenado a seis anos de prisão
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A falta de remorsos e o estatuto económico de Ricardo Salgado foram determinantes na aplicação da pena de seis anos de prisão efetiva a Ricardo Salgado por um coletivo de juízes do Tribunal de Lisboa que o consideram culpado do desvio de 10,7 milhões de euros do Grupo Espírito Santo (GES). Os magistrados entenderam que o ex-patrão do BES cometeu três crimes de abuso de confiança com culpa agravada.
O dolo foi "extremamente agravado" e, por isso, os juízes Francisco Henriques, Rui Coelho e Sílvia Costa entenderam aplicar quatro anos de prisão por cada um dos três crimes, totalizando de 12 anos que foram reduzidos para seis no cúmulo jurídico.
Como agravante, os magistrados consideraram o comportamento processual do arguido, que apenas se apresentou uma vez em tribunal e "manifestamente não assume o desvalor e as consequências da sua conduta". Os danos causados por Salgado ao banco, que acabou por colapsar em agosto de 2014, obrigando a uma intervenção do Estado, também pesaram na hora de decidir a pena. E nem o diagnóstico de doença de Alzheimer nem a sua idade avançada livraram o antigo banqueiro da aplicação de uma pena efetiva de prisão, da qual ainda vai recorrer para o Tribunal de Relação de Lisboa.
O primeiro desvio dado como provado, no acórdão a que o JN teve acesso, aconteceu em outubro de 2011. Foram transferidos quatro milhões de euros de uma conta de uma sociedade do GES na Suíça, a ES Enterprises, para uma conta de uma sociedade no Panamá controlada por Salgado, a Savoices.
De modo a tapar o buraco deixado naquela entidade, Salgado pediu a Henrique Granadeiro, à data administrador da Portugal Telecom, que transferisse para outra offshore por si controlada, a Begolino, 3 967 611 euros. Apesar de ter saído de uma conta de Granadeiro, o dinheiro pertenceria ao GES.
Na mesma altura, foram transferidos mais 2 750 000 euros da ES Enterprises para a Savoices, com passagem por uma conta de uma sociedade do empresário luso-angolano Hélder Bataglia.
A fortuna terá, entre outros fins, servido para comprar ações da EDP. A conta da Begolino terá ainda sido usada, em 2012, para adquirir diamantes e repatriar ativos, beneficiando de amnistias fiscais.
Apesar do ex-banqueiro ter tentado justificar estas transferências com alegados empréstimos e supostos negócios imobiliários no Brasil, os juízes rejeitaram essa versão com base na prova documental, os recibos de transferências.
Reação
Condenação dá esperança aos lesados do BES
O advogado dos lesados do BES ficou satisfeito com a condenação do ex-banqueiro, Ricardo Salgado, a seis anos de prisão efetiva, no âmbito do processo Marquês. Nuno Vieira, que reclama 200 milhões de euros em nome dos 1600 lesados, acredita que a sentença desta segunda-feira é a primeira de outras decisões judiciais que irão condenar o antigo patrão do BES. "Foi uma decisão muito importante. Primeiro porque muita gente achava que Ricardo Salgado não podia ser condenado. Pensavam que iriam surgir erros no julgamento ou que por qualquer motivo que o livrasse de ser considerado culpado", disse, ao JN, Nuno Vieira. O advogado também acredita que esta condenação, aplicada no âmbito da Operação Marquês pode servir de exemplo para o futuro julgamento do processo BES.
Pormenores
Sem antecedentes
Esta foi a primeira vez que Ricardo Salgado foi julgado num tribunal criminal. O processo resultou da Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates, cujo julgamento ainda aguarda a decisão sobre um recurso.
Processo GES
Neste processo, Salgado, de 77 anos, está acusado de 65 crimes de burla, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento, infidelidade, manipulação de mercado e associação criminosa.
Prejuízos
Além de Salgado, o Ministério Público acusou outros 24 arguidos que terão causado mais de 11,8 mil milhões de prejuízos ao BES e ao GES.