"Todos os meus direitos políticos estão intactos. Não tenciono abdicar de os exercer", garantiu o ex-primeiro-ministro José Sócrates numa conferência sobre "Justiça e Política".
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"Parece-me pobre o argumento 'à justiça o que é da justiça, à política o que é da política'", referiu, em Vila Velha de Rodão, na conferência a convite da Comissão Política Concelhia do PS.
"O Estado não pode deter um indivíduo para interrogatório depois desse indivíduo ter manifestado a vontade de ser ouvido", disse. "Isto é um abuso", classificou. "Mas maior abuso é deter alguém para o interrogar e ao mesmo tempo fazer do interrogatório um espetáculo mediático que visa denegri-lo. Numa democracia o Estado não tem o direito de fazer isso".
Sócrates foi ainda mais longe: "Alegações que não se conseguem provar não passam de abusos", disse, acrescentando que "a utilização de prisão como prova é também um abuso do Estado de direito democrático" sublinhando que "prender alguém e ao fim de 11 meses não apresentar provas" é um abuso.
Sobre a crise política nascida dos resultados eleitorais, defendeu que "deve governar quem tem maioria no parlamento" e que "não pode governar quem tem a maioria do parlamento contra ele".
"(...) Deve governar quem tem maioria no parlamento. Melhor dito, não pode governar quem tem a maioria do parlamento contra ele, esse é que não pode governar e essa é a boa regra democrática", afirmou José Sócrates.
A este propósito referiu que "esse Governo entrou em funções não tendo a oposição do parlamento, foi um Governo legítimo" e "não houve uma moção de rejeição que tivesse a maioria do parlamento".
"E também quero recordar que no primeiro momento em que o parlamento me mostrou que estava unido contra mim eu demiti-me imediatamente", continuou, assinalando que a maioria que se formou no parlamento contra o seu Governo "foi uma maioria destrutiva", para deitar o Governo abaixo, abrir uma crise política e provocar eleições.
Na ocasião, declarou, não se recorda de "ninguém ter apelado à responsabilidade, a uma oposição construtiva", mas antes a um "sobressalto cívico, em suma ao bota abaixo".
"Nessa altura não ouvi ninguém dizer -- e desculpem-me mas vou citar -- que houve interesses conjunturais que se sobrepuseram ao superior interesse nacional", afirmou, numa alusão à declaração do Presidente da República na qual indigitou o líder do PSD como primeiro-ministro, o que arrancou gargalhadas na assistência.
Para Sócrates, "quando há apelos ao chamado compromisso, ao acordo", isso é um apelo "a um certo compromisso", como "se houvesse na política a possibilidade de dividir os compromissos entre bons e maus", sendo os bons quando se permite que a direita está no poder.
Esta é a primeira intervenção pública de José Sócrates desde que foi libertado a 16 de outubro da medida de coação de prisão domiciliária, embora fique proibido de se ausentar de Portugal e de contactar com outros arguidos do processa da "Operação Marquês".
O ex-primeiro-ministro foi detido a 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito.