Quase metade destas vítimas são menores de idade. Todos tiveram a mãe assassinada pelo marido, namorado ou ex-companheiro.
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A violência doméstica causou, em cerca de 11 meses, 46 órfãos, 21 dos quais menores de idade. Estas vítimas eram filhas e filhos das 22 mulheres que entre janeiro e 15 de novembro deste ano foram assassinadas pelos maridos, namorados ou antigos companheiros. Além de terem perdido a mãe, muitos deles também viram o pai ser preso e guardaram memórias traumáticas que poderão manifestar-se numa simples discussão de trânsito.
Os números foram anunciados ontem, no Porto, pelo Observatório de Mulheres Assassinadas. Segundo este organismo que integra a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, apenas uma das mulheres mortas, este ano, em contexto de relações de intimidade não tinha filhos. Feitas as contas, 46 pessoas ficaram órfãs na sequência de um crime que não apresenta uma tendência de decrescimento e que, quando falta mês e meio para o final do ano, já fez mais nove vítimas mortais do que em 2021. "Foi possível identificar, pelo menos, 21 filhas/os menores de idade no momento do femicídio", realça a UMAR.
"É urgente a proteção destas vítimas diretas do femicídio, através de uma reparação holística, não só contemplando a compensação financeira, mas também assegurando uma proteção, apoio e acompanhamento psicossocial prolongados no tempo", acrescenta.
Apoio é fundamental
Presente na conferência de Imprensa para apresentação dos dados recolhidos pelo Observatório de Mulheres Assassinadas, o vice-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Manuel Albano, lembrou que, desde há um ano, existe o programa "Respostas de Apoio Psicológico para Crianças e Jovens Vítimas de Violência Doméstica". "Neste momento, há 31 equipas especializadas neste serviço, quatro das quais no Porto", informa o responsável.
Contudo, para a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, é necessário mais. "É preciso que os adultos mais próximos destas crianças tenham uma postura de amparo, compreensão e tolerância, para que a situação traumática vá, aos poucos, desvanecendo", propõe.
Ana Vasconcelos considera ainda que "traumatismos" provocados pela morte violenta de um dos progenitores, sobretudo em casos de violência doméstica, "deixam marcas" profundas. "Há jovens que não falam do que aconteceu e outros que sofrem de níveis de ansiedade brutais. O cérebro reage a momentos de terror e tudo depende de como os adultos ajudam a criança", explica.
Ainda segundo a médica, "o grande problema das memórias traumáticas é que estas vão ficar armazenadas e, no futuro, serão postas em evidência numa qualquer situação". Como numa simples discussão de trânsito.
Por isso, acredita que "o desamparo, a tristeza e a raiva são os sentimentos mais predominantes em quem se vê envolvido numa situação violenta".