O critério que irá prevalecer no destino dos quatro bebés vendidos pelo casal detido anteontem será o do superior interesse dos menores, mesmo que isso signifique o benefício do infrator.
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Ou seja, se se considerar que é o melhor para as crianças, elas até poderão ficar com as famílias que as compraram por mais de 20 mil euros. A decisão deverá ficar a cargo das autoridades dos países onde residem atualmente: França, Luxemburgo e Suíça.
"Há casos em que a desintegração seria muito pior do que continuarem integradas", explicou António Fialho, juiz especialista em Direito de Família e Menores e membro da Rede Internacional de Juízes da Conferência da Haia de Direito Privado. O procedimento usual nestes casos dita que, apurada a localização dos menores, deverão ser contactadas as autoridades do país onde reside. Depois, tanto a Convenção da Haia de 96 como o regulamento europeu preveem que seja esse Estado a decidir se é ele que está em melhores condições de aferir a condição das crianças e, em caso afirmativo, que medida deverá depois tomar, segundo a sua lei interna.
"O critério de avaliação a que será dada preferência, quer pelo regulamento da União Europeia quer pela Convenção de 96, fala sempre do superior interesse da criança avaliado na cultura jurídica de cada país", antecipa o juiz.
fora de "situação de perigo"
Anteontem, o diretor da Polícia Judiciária ( PJ) do Porto já tinha aberto a possibilidade de as crianças não serem retiradas às famílias que as compraram, até porque, justificava, "é possível dizer que não estarão numa situação de perigo". Norberto Martins salientou ainda que "uma coisa é intervir quando uma criança tem dias ou meses, outra é quando tem seis ou sete anos e foi bem tratada". Porém, isso não impedia que prosseguissem processos-crime contra os prevaricadores, tanto os compradores como os vendedores.
"Suíça pouco permissiva"
António Fialho reconhece que, caso as crianças fiquem com as famílias que as compraram, pode passar para fora a ideia de um "benefício do infrator". Mas, mais uma vez, realça que há casos em que a "desintegração seria muito pior do que a integração em que estão" os menores.
Todavia, o juiz frisa que ainda há várias etapas a percorrer até se chegar a uma decisão final e que há países mais exigentes do que outros. Por exemplo, a Suíça, país onde estará uma das crianças, é dos menos permissivos do Mundo e, se vier a considerar que estão com o poder paternal de forma duvidosa, poderá agir contra eles, mais ainda tratando-se de imigrantes. "Mesmo quando as crianças são entregues legalmente, os suíços são muito exigentes na transferência de competências e tem havido dificuldade em concretizar algumas transferências de competências parentais", nota o magistrado.
Suspeita de vender crianças ficou em prisão domiciliária
A mulher de 41 anos detida no Porto por suspeita de tráfico de recém-nascidos e falsificação de documentos vai ficar em prisão domiciliária, enquanto o companheiro, suspeito dos mesmos crimes, fica obrigado a apresentações periódicas, após terem sido ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
Segundo a PJ, os crimes de tráfico de recém-nascidos decorreram entre julho de 2011 e 2017 e consistiram na entrega de "quatro recém-nascidos, mediante pagamentos pecuniários e outras contrapartidas, a cidadãos residentes no espaço europeu", conta.
PORMENORES
Compradores lusos - As quatro crianças foram vendidas a emigrantes portugueses que, através de um intermediário, as tinham encomendado.
Cliente ficava "pai" - Após nascer a criança, o cliente registava-a falsamente como filho. Depois, um acordo entregava a tutela ao "pai", que assim a podia levar para o estrangeiro.
Três países - As crianças já foram todas localizadas e estão em três países: França, Luxemburgo e Suíça.
Autoridades avisadas - A PJ já entrou em contacto com as autoridades dos países onde as crianças residem.