O militar da GNR que sobreviveu aos homicídios de Aguiar da Beira esteve, esta manhã e tarde de sexta-feira, no Tribunal da Guarda, a relatar os acontecimentos da noite em que Pedro Dias o feriu a tiro. A sessão do julgamento terminou às 16 horas.
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António Ferreira começou por pedir que Pedro Dias fosse retirado da sala de audiências, antes que começasse a relatar os acontecimentos daquele dia. O pedido foi aceite pelo tribunal, sendo que Pedro Dias assistiu ao depoimento através de transmissão vídeo, num outro local do Tribunal da Guarda.
Ao longo de duas horas, o militar da GNR lembrou a madrugada do dia 11 de outubro de 2016, em que saiu com o colega Carlos Caetano para um "giro" e passou por uma zona onde "iam surgindo alguns incêndios", junto ao Hotel das Termas da Cavaca.
Na altura, encontraram uma carrinha Toyota parada, com um homem a dormir do lado do condutor, que decidiram abordar para pedir a documentação, apesar de não terem matéria para "qualquer contraordenação".
Nas comunicações feitas, com solicitação de informação sobre o registo de propriedade do veículo e do titular da carta de condução, António Ferreira contou que o colega, Carlos Caetano, lhe terá transmitido que do posto de Fornos de Algodres alertaram de que se tratava de "uma pessoa perigosa" e que "devia ter uma arma".
No seu depoimento, Ferreira confirmou que Pedro Dias atirou a matar sobre o colega Carlos Caetano e que o arguido o obrigou a colocar o corpo do militar da GNR na mala do carro patrulha.
Mais tarde, levou-o para a Quinta da Lapa, onde Pedro Dias também o alvejou. António Ferreira revela que que perdeu os sentidos e, quando os recuperou, já estava sozinho. Andou a pé até à casa do colega António Santos e pediu ajuda. Escorria sangue e sentia-se fraco.
O militar da GNR revelou que "ainda hoje não sabe o que passou na cabeça de Pedro Dias para ter feito o que fez".
"O senhor Pedro Dias nunca me deu hipóteses de fazer coisa alguma, estive sempre com a arma apontada", repetiu. Ao longo da sua audição, António Ferreira demonstrou alguma dificuldade em falar e acabou por ter de se ir levantando por não conseguir estar sempre sentado.
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"Não há dia nenhum que não pense nisso", apontou António Ferreira, acrescentando que "não há sentimentos que expliquem" o que sentiu quando foi obrigado a colocar o colega morto na bagageira do veículo da GNR.
Depois de ter passado cerca de duas horas da manhã desta sexta-feira a descrever o que aconteceu na noite de 11 de outubro de 2016, António Ferreira falou mais 45 minutos durante a tarde, desta feita para partilhar o trauma psicológico e as lesões físicas com que ficou.
O disparou que sofreu fez com que tivesse ficado internado "quatro dias" no Centro Hospitalar Tondela-Viseu, para além de ter ficado mais "dois meses e meio acamado em casa".
Seguiu-se ainda um período com deslocações frequentes a consultas e para a realização de vários exames médicos, que só de agosto para cá passaram a ser "mais espaçadas".
António Ferreira revelou que tem ainda alojada a bala na cervical, entre a C1 e a C2, e que "os médicos têm medo de mexer", pois está a "um milímetro de provocar lesões permanentes".
A par do acompanhamento às lesões físicas, que lhe provocam dores, especialmente na face, o militar da GNR está também a ser acompanhado mensalmente na Psiquiatria da Casa de Saúde de Viseu e de 15 em 15 dias por uma psicóloga da Câmara de Aguiar da Beira.
Depois do testemunho de António Ferreira, que Pedro Dias acompanhou por videoconferência, a partir de outra sala, o arguido decidiu manter o silêncio.
No final da sessão, o advogado do militar da GNR, Pedro Proença, disse aos jornalistas que os trabalhos "correram bem" e que estima que o julgamento seja "mais rápido do que se suponha".
Sobre António Ferreira, destacou que passou a sofrer de uma incapacidade acentuada para tarefas mínimas da sua vida diária.
"Tarefas tão simples como a sua higiene pessoal estão afetadas, para não dizer a dificuldade de locomoção, as dores persistentes e os problemas com o trauma do que viveu. Mesmo em relação ao seu futuro pessoal como GNR vê a sua vida condicionada", apontou.
Quanto aos pedidos de indemnizações cíveis, Pedro Proença disse serem no valor de 70 mil euros para António Ferreira e de 250 mil euros para os familiares de Carlos Caetano, que faleceu em "circunstâncias traumáticas".
A próxima sessão está agendada para as 09:30 de terça-feira, estando prevista a audição de seis testemunhas.