O Ministério Público (MP) defendeu esta terça-feira, em tribunal, que "é muito mais provável a condenação" de Ricardo Salgado "do que a sua absolvição", reiterando que este tem mesmo de ser julgado pelos 65 crimes de que está acusado no processo principal da queda do BES/GES, incluindo um de associação criminosa e 12 de corrupção ativa no setor privado. A procuradora Olga Barata requereu que os restantes 19 arguidos inicialmente acusados pelo MP sejam também julgados por todos os ilícitos que lhe foram imputados.
Corpo do artigo
"Os indícios recolhidos na fase de inquérito e que deram origem à acusação não foram sequer beliscados, antes confirmados, pela prova pessoal [testemunhal] produzida em fase de instrução", afirmou, na primeira sessão do debate instrutório, a magistrada, criticando as defesas por terem gizado as inquirições de modo a que, durante "meses", se ouvisse apenas "impressões pessoais", sem confrontação com as provas.
Numa exposição de cerca de duas horas, Olga Barata debruçou-se, entre outros aspetos, sobre os crimes de associação criminosa, imputado a 12 antigos elementos do BES/GES, e de corrupção ativa e passiva no setor privado, atribuída a 13. Para a procuradora, estes acusados em particular agregaram, durante pelo menos seis anos, "vontades para violarem tudo o que era protocolo da sua atividade [bancária] e para fins ilícitos de enriquecimento pessoal". Na prática, Ricardo Salgado terá subornado, com o que os acusados alegam ser "prémios", os próprios dirigentes e gestores da instituição para seu benefício pessoal e em prejuízo dos clientes.
16277229
Os supostos "prémios" seriam pagos através de uma sociedade do GES, "oculta" do escrutínio dos reguladores e supervisores do setor financeiro. "Tais prémios nada tinham de normal e eram pagos para compra de personalidades, de lealdades de outras natureza, e para pagamento efetivo da violação dos deveres profissionais", afirmou a magistrada, salientando que em causa estão montantes "mais elevados do que os valores que os administradores e os próprios recebiam da sua entidade patronal".
Negação de domínio do GES é "fantasia"
Olga Barata insistiu igualmente que "resulta de toda a prova" recolhida que Ricardo Salgado "dominava" o GES, quer na sua área financeira quer na sua área não financeira. O ex-presidente do BES tem rejeitado, através da sua defesa, que assim fosse, mas, para a procuradora, tal é uma "fantasia muito afastada dos factos".
Além de associação criminosa e corrupção ativa no setor privado, Ricardo Salgado, de 78 anos, está acusado de 29 crimes de burla qualificada, nove de falsificação de documento, sete de branqueamento, cinco de infidelidade e dois de manipulação de mercado. O debate instrutório continua na quarta-feira, no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, com a apresentação de conclusões pelos assistentes, incluindo o mandatário de centenas de lesados do BES/GES. As alegações da defesa do ex-presidente do BES, que nega as acusações, estão previstas para sexta-feira.
O processo conta ainda, a pedido de alguns ex-clientes do banco, com outros cinco arguidos, funcionários bancários do BES relativamente aos quais o Ministério Público arquivara todas as suspeitas. Os queixosos alegam que foram propositadamente ludibriados pelos bancários ao investirem, alegadamente ao engano, em instrumentos financeiros. Esta terça-feira, Olga Barata considerou que "a rede comercial" da instituição foi "instrumentalizada" pelos diretores e administradores do BES/GES, pugnando pela manutenção do arquivamento.
A acusação foi deduzida em julho de 2020, seis anos depois da implosão do BES, em 2014. A instrução começou em abril de 2022. A decisão instrutória ainda não tem data marcada.