O mandatário da massa insolvente do Banco Espírito Santo (BES), Miguel Coutinho, defendeu esta quarta-feira, em tribunal, que há prova no processo principal da queda do BES/Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, que indicia que o ex-banqueiro Ricardo Salgado era "de facto a cabeça e o 'big boss' [grande chefe, em inglês]" do BES e do GES.
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No segundo dia do debate instrutório, em Lisboa, o advogado invocou, nomeadamente, a existência de "anotações" de 2009 que demonstram que as contas da Espírito Santo International (ESI), a entidade do GES destinada ao controlo familiar do grupo, foram adulteradas "a mando" e "com o conhecimento do Dr. Ricardo Salgado".
Miguel Coutinho desvalorizou ainda o argumento da defesa do ex-presidente do BES de que não há mensagens que mostrem que o arguido saberia de tudo o que se passava. "A questão é que o Dr. Ricardo Salgado não comunicava por e-mail. O Dr. Ricardo Salgado comunicava através das suas secretárias, porque é da velha escola, não enviava e-mails. [...] Não estou aqui a retirar um juízo de valor, [eram] outros tempos", sustentou.
Para o causídico, a prova "está tão absolutamente a entrar pelos olhos adentro" que é "chocante" que, "nove anos após o colapso" do BES/GES, "ainda se esteja a discutir se aquilo que aconteceu tem a mínima dignidade para ir a julgamento". Miguel Coutinho apelou, por isso, a que os arguidos acusados pelo Ministério Público sejam pronunciados.
Empresas com duplo papel
A advogada das massas insolventes da ESI e da RioForte Investments, Madalena Dias Parca, criticou igualmente que se tenha querido "fazer transparecer" que a gestão do GES era "democrática". A mandatária apelou, por isso, a que os arguidos sejam julgados, à exceção da ESI enquanto sociedade - entretanto já ilibada por questões processuais - e da RioForte Investments, também enquanto entidade coletiva.
Esta última, da área não financeira do GES, era detida a 100% pela própria ESI e terá sido usada nas operações fraudulentas que, acredita o Ministério Público, terão sustentado o castelo de cartas em que os arguidos teriam transformado o grupo.
"Foram meros instrumentos. [...] A gestão destas empresas foi absolutamente ruinosa", sublinhou Madalena Dias Parca, apontando a particularidade de estas serem, enquanto massas insolventes, assistentes (ofendidas) com credores próprios, e, enquanto entidades coletivas, arguidas, com outros lesados a ressarcir.
A causídica realçou ainda o "conflito de interesses" que existe na representação da RioForte Investments no atual processo e que, no seu entender, não pode manter-se no julgamento. "Não é compatível que a defesa da RioForte Investments seja representada pela mesma pessoa acusada de instrumentalizar a sociedade", justificou.
Continua na quinta-feira
O debate instrutório prossegue na quinta-feira, com as apresentações de argumento por parte das defesas dos arguidos. A de Ricardo Salgado só deverá intervir no dia seguinte. O processo conta com 25 arguidos - 20 que resultam da acusação do Ministério Público e outros cinco cuja ilibação no final do inquérito foi contestada por outros assistentes no processo.
A acusação foi deduzida em julho de 2020, a instrução começou em abril de 2022, no Tribunal Central de Instrução Criminal, e em causa estão centenas crimes de associação criminosa, corrupção ativa e passiva no setor privado, burla qualificada e falsificação de documento. O ex-banqueiro, de 78 anos, responde por um total de 65 crimes e rejeita as acusações.