A defesa de Amílcar Morais Pires, considerado o ex-braço direito de Ricardo Salgado no Banco Espírito Santo (BES), garantiu esta terça-feira, em tribunal, que "acudir" aos ex-clientes da instituição financeira, falida em 2014 deixando milhares de lesados, "foi uma preocupação permanente da administração do BES" e do seu cliente enquanto exerceu funções. Tal impunha-se por "dever ético e legal" e para não causar "dano reputacional" ao banco, acrescentou Raul Soares da Veiga, sem poupar na crítica à interpretação que o Ministério Público fez dos factos na acusação.
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"Vai-se ao cúmulo de achar que, quando o dinheiro vai reverter para o pagamento aos lesados, é branqueamento. Isto é o fim da lógica, é uma certa perversão das coisas e da intenção com que agiram as pessoas", afirmou, no quinto dia do debate instrutório do processo principal da queda do BES/GES, o advogado.
Numa intervenção que teve de ser parcialmente repetida por falhas no sistema de gravação do Tribunal de Monsanto, em Lisboa, Soares da Veiga apontou ainda a mira ao Banco de Portugal numa das operações alegadamente fraudulentas que, para o Ministério Público, transformaram o GES num castelo de cartas nos seus últimos anos de atividade, apesar de, externamente, ter aparentado durante anos ter uma situação sólida.
"Este plano hediondo, criminoso, de fazer coisas terríficas no GES para fins insondáveis tem esta explicação simples: foi o Banco de Portugal que pediu para fazer um plano complementar", alegou o mandatário, precisando que dessa estratégia "constava a emissão de mil milhões de euros" em instrumentos financeiros. O objetivo seria "diluir a família Espírito Santo" no capital da RioForte, uma das sociedades da área não financeira do GES, à data detida a 100% pela entidade destinada ao controlo familiar do grupo.
"Absolutamente doloroso"
Amílcar Morais Pires, de 61 anos, está acusado de 25 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção passiva no setor privado e branqueamento. Esta terça-feira, o seu defensor considerou que a acusação é "injusta" para quem "dedicou toda a sua vida ao BES", no qual "foi subindo por mérito, a pulso, cada degrau da hierarquia" até chegar a "administrador depois de 28 anos de serviço". "É absolutamente doloroso e quase insuportável as imputações que fazem de ter traído, de ter agido contra o BES", sublinhou.
Soares da Veiga apontou ainda, tal como outros mandatários fizeram na semana passada, deficiências formais na acusação que, no seu entender, a tornam "ilegal". O advogado criticou, igualmente, a "urgência" da instrução e a substituição, em setembro de 2022, do juiz titular do processo, inicialmente atribuído, por sorteio eletrónico, a Ivo Rosa e atualmente a cargo de Pedro Correia, do Tribunal Central de Instrução Criminal, depois de o primeiro magistrado ter subido ao Tribunal da Relação de Lisboa. A promoção está, entretanto, suspensa devido a um processo disciplinar aberto pelo Conselho Superior da Magistratura, ainda a aguardar decisão.
"Fosse isto uma instrução mais normal e até teríamos boas chances, se não na totalidade, pelo menos em boa parte de vermos cair a acusação", frisou Soares da Veiga.
O processo conta com 25 arguidos, entre os quais o ex-banqueiro Ricardo Salgado, de 78 anos e acusado de 65 crimes. A acusação foi deduzida em julho de 2020, seis anos após o início da investigação. A instrução começou em abril de 2022. Esta terça-feira, deverão ficar concluídas as intervenções de todas as partes, que, depois, têm ainda direito a réplicas. Só quando estas ficarem concluídas é que Pedro Correia anunciará a data em que vai comunicar se os arguidos seguem, ou não, para julgamento e em que termos.