Relatório refere "canabinóide sintético, muito poderoso e que pode causar a morte". Entra nas cadeias em folhas de papel e é muito difícil de detetar. Multiplicam-se surtos psicóticos e agressões.
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Há uma nova droga sintética a ser consumida no interior das prisões. Indetetável à vista desarmada, chega aos reclusos embebida num simples papel de carta, é fumada e provoca surtos psicóticos nos consumidores, tornando-os extremamente violentos. Há vários casos de presos internados na enfermaria dos estabelecimentos prisionais e até em urgências hospitalares, após o consumo de uma substância descrita como muito poderosa e que pode causar a morte. E também já houve guardas prisionais agredidos por presos descontrolados.
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A K4, como é designado este estimulante com efeito semelhante às anfetaminas, está a gerar uma grande instabilidade nas cadeias, onde guardas e reclusos temem ser atacados por quem fumar esta droga.
No início do ano passado, episódios de reclusos encontrados prostrados, a caminhar de forma desequilibrada ou sem qualquer controlo alertaram os responsáveis das cadeias. No início, ninguém sabia qual o motivo para um comportamento marcado por uma violência raramente vista em contexto prisional, mas a investigação que se seguiu revelou que os reclusos em causa tinham consumido uma nova droga e que esta já foi detetada em diversos estabelecimentos prisionais.
Num relatório de informações dos Serviços de Segurança, datado de 3 de maio e distribuído pelos responsáveis das cadeias portuguesas e ao qual o JN teve acesso, é também referido que a substância na origem deste fenómeno não está "identificada com segurança", uma vez que ainda não foram divulgados os resultados das análises aos produtos apreendidos na maioria dos casos. Mas é dito que uma das "substâncias apreendidas no estabelecimento prisional do Funchal foi identificada como Fenmetrazina, estimulante de efeito semelhante às anfetaminas".
Uma coisa é certa: no meio prisional, a droga tem várias denominações, entre as quais "ácidos", "spice" e "K2". A mais comum entre a comunidade prisional é, no entanto, a "K4", um "canabinóide sintético, muito poderoso e que pode causar a morte", descreve o referido relatório.
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"Elevada perigosidade"
O relatório descreve ainda que a droga entra nas cadeias através de cartas endereçadas aos presos embebidas nesta nova substância. Na posse do papel, que pode conter o desenho de uma criança ou uma declaração de amor para afastar suspeitas, o recluso corta um pequeno pedaço, coloca algum tabaco no meio, enrola-o como se fosse um cigarro e fuma-o.
Os efeitos deste consumo são, muitas vezes, geradores de uma violência extrema, levando o consumidor a agredir colegas de cela e guardas prisionais que o tentam controlar. No início desta semana, por exemplo, três elementos do Corpo da Guarda Prisional da cadeia de Custóias foram assistidos no hospital na sequência das agressões sofridas. Dois continuam de baixa médica. Na cadeia de Coimbra, vários reclusos beberam álcool e fumaram a droga, tendo um deles entrado mesmo em coma.
Os serviços prisionais destacam a "elevada perigosidade" desta droga e apelam para que seja comunicado qualquer caso suspeito à Polícia Judiciária.
Agressividade e fúria obrigam a internamentos urgentes
Comportamentos violentos e irracionais, agressividade e fúria, demonstrados através de surtos psicóticos, e ataques de pânico são alguns dos efeitos causados pelo consumo da K4. Entre os reclusos afetados por esta nova droga foram identificadas, igualmente, paralisias, sobretudo das pernas e quadril, pesadelos que levam a insónias e suor excessivo. Também houve quem sofresse de náuseas, tremores, dores de cabeça, cansaço extremo, diarreia, vómitos e convulsões. Vários reclusos necessitaram de assistência médica depois de fumarem esta droga.
Pormenores
13 sinalizações
Um relatório dos Serviços de Segurança identificou 13 situações em que há suspeitas de ter sido detetada K4. A primeira ocorreu em junho de 2020, na cadeia do Funchal. A última teve lugar em abril deste ano, na prisão do Vale do Sousa.
Origem em Custóias
Apesar de não constar da lista do relatório de informações, a cadeia de Custóias, no Porto, será um dos estabelecimentos prisionais onde a K4 predomina. O consumo desta droga nas prisões de Coimbra e Vale do Sousa só terá começado após a transferência de reclusos que estavam em Custóias.
Últimos casos de K4 nas cadeias
Pinheiro da Cruz: encomenda com tubos
Numa das últimas situações detetadas, um recluso recebeu uma encomenda vinda do exterior, com uma pequena caixa de cartão e 40 papéis enrolados em tubos. Estes fariam parte de um jogo, mas eram, na verdade, cigarros com droga.
Silves: busca deteta carta
Uma busca a uma cela permitiu encontrar uma carta embebida em K4. A missiva, enviada por outro preso, explicava o que se devia fazer com o papel.
Coimbra: desenho para disfarçar
Um preso recebeu uma carta com um "desenho supostamente feito por uma criança". O papel continha droga.
Pinheiro da Cruz: tiras no roupão
Nesta cadeia, foi, de igual modo, uma busca à cela de um recluso que permitiu encontrar cinco tiras de papel e um pó acastanhado dividido em sacos dissimulados num roupão. Era droga.
Vale do Sousa: papel pulverizado
Naquela que é uma das prisões onde a K4 mais será consumida, foi encontrado um pedaço de papel, com 8,5 cm por 3,5 cm, pulverizado com a nova droga. Foi a informação recolhida pelos guardas prisionais sobre este fenómeno que levou a que fosse efetuada a busca às celas.