Proibição de lanchas voadoras em Espanha transfere cartéis da droga para Portugal
Traficantes com embarcações rápidas pagam apenas uma multa se forem apanhados. Polícias apreenderam 19,6 toneladas de droga, num ano em que pandemia obrigou a mudanças.
Corpo do artigo
No ano passado, foram apreendidas 19,6 toneladas de droga. Muita pertencia a cartéis que, a partir de 2018, abandonaram Espanha para se fixarem no lado de cá da fronteira. É em Portugal que, aproveitando uma lei mais branda, constroem e guardam lanchas rápidas usadas no tráfico de cocaína e haxixe.
Só nos últimos dois meses, foram recolhidas cinco "lanchas voadoras". E, já no início de 2020, Polícia Judiciária (PJ), GNR e Polícia Marítima (PM) desmantelaram um estaleiro clandestino nas instalações abandonadas de uma empresa de plásticos, em Faro. "As lanchas saíam daqui em camiões", disse, à data, o diretor da PJ/Sul, António Madureira.
Os dados são da PJ. No ano passado foram apreendidas 10,7 toneladas de haxixe, 8,8 toneladas de cocaína, 22,7 quilos de heroína e ainda 7142 comprimidos de ecstasy. Menos do que em 2020, consequência, diz o diretor da Unidade Nacional do Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE) da PJ, Artur Vaz, do esforço de adaptação dos cartéis.
"A procura de novos pontos de entrada de droga na Europa justifica as menores quantidades apreendidas", explica. Artur Vaz garante que Portugal "não é, nem de perto nem de longe, a principal porta de entrada de droga na Europa", mas admite que continua a ser um ponto estratégico para diversos cartéis, por causa das "ligações de Portugal à América Latina e ao Norte de África.
14554456
As restrições impostas pela covid-19 forçaram também o aparecimento de novos modus operandi. "Houve um acréscimo do tráfico pelas redes sociais e por via postal. Esta não é a forma predominante, mas está a crescer", alerta Vaz.
Construção e posse legais
Fontes contactadas pelo JN, incluindo o líder da UNCTE, confirmam, igualmente, que cartéis com um passado ligado a Espanha estão a transferir as suas operações para Portugal. A mudança foi imposta pela lei espanhola que, desde 2018, proíbe a construção e posse de embarcações insufláveis e semirrígidas que, com menos de oito metros de comprimento, tenham motores com mais de 204 cavalos, muito aquém dos usados pelas "voadoras" (ver infografia). A proibição abrange ainda lanchas com mais de oito metros ou alteradas para acomodar tanques de combustível adicionais ou com fundos duplos.
Já em Portugal a construção e posse de lanchas rápidas é legal, desde que devidamente licenciada. E mesmo quando não existe licença, os infratores são penalizados apenas com o pagamento de uma coima entre 500 e 2500 euros. "A embarcação poderá, ainda, ser apreendida se estiver a navegar sem registo. Mas será devolvida se o proprietário justificar a razão para que isso aconteça", explica o comandante Diogo Branco, da PM de Lisboa. O facto de "estar num armazém ou a ser transportada por terra, mesmo que não esteja registada, não viola qualquer norma", acrescenta.
Diferentes utilizações
Protegidos pela lei, os traficantes fixaram-se do Norte ao Sul e é da costa portuguesa que lançam as narcolanchas ao mar para recolherem, a cerca de 300 quilómetros, fardos de cocaína e haxixe lançados à água por navios que zarparam da América do Sul. Outras chegam a partir do Norte do país para só parar em Marrocos e garantem todo o transporte da droga. E, por fim, há as que só servem para reabastecimentos de combustível em alto mar.
Só entre dezembro e o último domingo, foram recolhidas cinco lanchas abandonadas. Umas encalharam, mas outras foram largadas porque "os traficantes tiveram medo de serem apanhados", explica um especialista no tráfico internacional. A PJ também tem detado, nos últimos meses, cada vez mais embarcações guardadas em armazéns, as quais, por falta de suporte legal, não foram apreendidas, nem tão-pouco o dono foi formalmente identificado. Diogo Branco confirma a mesma tendência.
Apreensões
Cinco toneladas de cocaína vinham para Portugal
Além da droga apreendida pelas polícias nacionais, outras 5,6 toneladas de cocaína destinadas a Portugal foram confiscadas em portos marítimos do centro da Europa ou em aviões oriundos do Brasil. Logo em fevereiro, as autoridades brasileiras apanharam 500 quilos de cocaína escondidos na fuselagem de um jato privado. O Falcon iria transportar o ex-presidente do Boavista, João Loureiro, e o espanhol Mansur Heredia para Portugal. Ainda no Brasil, mas em março, a Polícia Federal prendeu seis homens, fortemente armados, no porto de Santos, São Paulo, momentos após estes terem colocado 32 malas, com mais de uma tonelada de cocaína, no interior de um contentor, que viria de barco para Portugal. Em outubro, foi a Polícia dos Países Baixos a apreender, no porto de Roterdão, 4178 quilos de cocaína, avaliados em 313 milhões de euros, escondidos num contentor que teria como destino Portugal. A droga vinha dissimulada no meio de soja embalada em sacos, originária do Paraguai.