Valentina Fonseca, a menina de 9 anos assassinada pelo pai em maio passado, em Atouguia da Baleia, no concelho de Peniche, passou momentos de autêntico terror, depois de ter sido queimada com água a ferver e espancada com violência, por se ter recusado revelar pormenores de alegados abusos sexuais cometidos por colegas da escola e por um padrinho.
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Segundo a acusação do Ministério Público, a que o JN teve acesso, a menina esteve a agonizar várias horas no sofá, até morrer, enquanto o pai, Sandro Bernardo, agora com 33 anos, e a madrasta, Márcia Monteiro, 39 anos, fizeram a sua vida normal, como se nada se tivesse passado. Os dois estão acusados em coautoria dos crimes de homicídio qualificado, profanação de cadáver e simulação de sinais de perigo, o que lhes pode valer uma condenação à pena máxima de 25 anos de prisão. Sandro responde ainda por um crime de violência doméstica.
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As agressões à pequena Valentina terão começado no primeiro dia de maio, quando o pai a confrontou com informações que tinham chegado ao seu conhecimento de que ela teria "mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola, designadamente, permitindo que lhe mexessem no "pipi", ou seja, na zona genital". A menina admitiu os referidos contactos e foi de imediato agredida à palmada na zona das nádegas e das pernas. Mais tarde, contou também "que tinha mantido contactos de natureza sexual com o padrinho" - o que não veio a provar-se durante a fase de inquérito - e voltou a ser sovada, desta vez também com uma colher de pau.
Cinco dias depois, descreve o despacho de acusação, Sandro decidiu confrontar novamente a menor sobre os abusos, pretendendo saber se tinha havido penetração. Depois de a esbofetear, "levou-a para a casa de banho, despiu-a, deixando apenas uma t-shirt e cuecas, e colocou-a na banheira, na presença de Márcia. Sabendo que a filha tinha medo de água quente, disse que a molhava com água a ferver caso não contasse tudo, nomeadamente, qual a natureza dos atos sexuais com o padrinho".
Perante o silêncio da menor, o arguido colocou-lhe "água a ferver na região genital e inguinal, apenas desligando o chuveiro quando a filha lhe implorou repetidamente que parasse". Irritado por ela não dizer o que queria ouvir, "desferiu-lhe vários murros na face, tórax, costas e pernas, com muita força, assim como lhe apertou o pescoço com as mãos, apertando-o e sufocando-a". Desferiu-lhe ainda múltiplas pancadas com um chinelo.
Após cinco minutos de terror e humilhação, "e não obstante os gritos e súplicas de Valentina, o arguido desferiu uma pancada com muita força, com as mãos, na cabeça da mesma, na parte superior do crânio, que lhe provocou uma hemorragia interna e, consequentemente, fez com que ela caísse na banheira". Em consequência destas agressões, a menina começou a desfalecer e a ter convulsões, o que fez com que Sandro e a companheira Márcia lhe desferissem bofetadas na cara, para a tentar reanimar. Apesar da gravidade do estado de saúde da filha, deitou-a no sofá, ali a deixando a agonizar até cerca das 22.00 horas, altura em que a menina, já morta, foi levada e abandonada numa zona florestal, a nove quilómetros da casa onde tudo aconteceu.
De acordo com o Ministério Público, a meio da tarde, um dos meios irmãos de Valentina verificou que ela começou a espumar pela boca e alertou q mãe. Terá sido nesse momento que ambos perceberam que a menina tinha falecido, formulando então o propósito de esconder o cadáver e encobrir os atos. Ainda assim, ambos fizeram a vida normal - foram à lavandaria e a uma farmácia - e, ao final da tarde deslocaram-se à Serra D"El Rei para escolher o local onde mais tarde viriam a deixar o corpo de Valentina, coberto com arbustos.
No dia seguinte ao crime, comunicaram o desaparecimento da menor à GNR. Aquela força de segurança mobilizou mais de uma centena de militares, dezenas de equipas cinotécnicas, 48 viaturas e vários drones nas operações de buscas, nas quais participaram também centenas de populares. Mas acabaria por ser Sandro Bernardo a indicar à Polícia Judiciária o local onde estava o corpo da filha, que foi encontrado no dia 10 de maio.
Acusados agora pelo Ministério Público, aos dois arguidos, que se encontram em prisão preventiva, é também exigido o pagamento de uma indemnização ao Estado, no valor de 1.785 euros, correspondente aos gastos com os elementos e meios logísticos da GNR durante quase quatro dias de buscas.