O colombiano "La República" começou a utilizar IA de forma expressiva. "Clarín", o maior diário da Argentina, também usa a nova tecnologia para vários fins. Em Portugal, dão-se os primeiros passos e não há resistência à inovação.
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Chama-se "La República" (LR) e foi o primeiro diário em espanhol a utilizar de forma expressiva a inteligência artificial (IA) no espaço ibero-americano para realizar a sua edição impressa. Aconteceu este mês, na Colômbia. No "Clarín", maior jornal argentino, a ferramenta tecnológica é usada em grande escala. Já em Portugal, bem como na Europa em geral, o fenómeno ganha força, apesar das cautelas éticas e regulamentares: há que garantir a intervenção humana em todo o processo.
Em Portugal, a abertura é total. "Não temos nada contra a IA e até temos procurado promover formações. Temos de ajudar os jornalistas a usar essas ferramentas e tem de haver regras nas redações", afirma Luís Filipe Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e profissional há mais de 30 anos no jornal "A Bola", diário desportivo que utiliza cada vez mais estas ferramentas. "O sistema é integrado no caso das classificações e resultados de jogos de várias modalidades desportivas, gerando até um pequeno texto de apoio a essas informações", exemplifica. "Claro que, por vezes, será mal utilizada e até pode dar origem a despedimentos em determinados contextos", acrescenta.
Do lado das empresas de média a operar em Portugal também não há obstáculos de princípio. "A resposta está numa combinação inteligente de legislação clara, códigos de conduta setoriais, auditorias algorítmicas proporcionais ao risco e, acima de tudo, num diálogo contínuo entre jornalistas, técnicos, reguladores e leitores", afirma Cláudia Maia, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa. "Em Portugal, tal como no resto da Europa, assistimos à redução progressiva das redações, não apenas por razões económicas, mas também como reflexo da digitalização do ecossistema mediático. A IA pode e deve ser uma ferramenta ao serviço do jornalismo, libertando os profissionais de tarefas rotineiras - como transcrições, redações automáticas de textos simples ou análises preliminares de dados, para que possam concentrar-se no que é verdadeiramente essencial: investigação, contexto, análise crítica e responsabilidade editorial", afirma.
O caso colombiano
"As empresas devem destinar, pelo menos, 5% das suas vendas a desenvolvimentos em IA, para assegurar a abertura de novos caminhos comerciais"
A direção do periódico colombiano LR faz questão de esclarecer que a edição não é feita apenas por IA, sendo utilizada como apoio para redatores e editores, mantendo sempre a supervisão e revisão humana. Fernando Quijano, diretor do LR, confirma que até a primeira página é elaborada por um agente do ChatGPT, que sugere a ordem das notícias com base nos temas definidos pelos editores e tendo em conta o perfil da audiência do LR. No entanto, a equipa editorial humana participa e decide se a seleção e hierarquia estão corretas.
Segundo fonte do diário, o trabalho jornalístico mudou: os jornalistas podem agora apoiar-se na IA para tarefas de redação e análise de dados, o que lhes permite focar-se na investigação e na criação de conteúdos mais profundos e analíticos, sem descurar a supervisão e revisão humana.
Questionado sobre o investimento que foi necessário, o diretor do jornal económico preferiu dar um indicador geral. "As empresas devem destinar, pelo menos, 5% das suas vendas a desenvolvimentos em IA, para assegurar a abertura de novos caminhos comerciais", afirmou Quijano.
O "La República" é o jornal económico, empresarial e financeiro mais antigo do espaço ibero-americano. Tem uma audiência impressa que ultrapassa os 200 mil leitores e uma tiragem nacional média de 70 mil exemplares de circulação mista. Além disso, conta com cerca de 2,5 milhões de utilizadores digitais por mês.
O exemplo argentino
"Estão em diferentes fases de desenvolvimento ferramentas como um assistente comercial, um assistente de capital humano, um assistente de métricas, uma pontuação de notícias para editores de primeiras páginas e a geração de fichas para jogos de futebol"
Pablo Vaca, secretário de redação do "Clarín", dá conta de uma utilização alargada da IA na produção jornalística. A ferramenta usada analisa a estrutura da notícia e sugere melhorias em tempo real para otimizar o seu posicionamento em motores de busca. Sugestões de títulos e novas abordagens são comuns, mas há limites. "A IA não é usada para a escrita de artigos grandes. Poderia ser usada como motor de busca, em qualquer caso, mas nada mais. Há sempre um redator por trás e um editor humanos", sublinha Pablo Vaca.
O argentino "Clarín" usa o instrumento chamado LilaX para nalisar a estrutura da notícia e sugerir melhorias em tempo real para otimizar o seu posicionamento em motores de busca, avaliando critérios como o comprimento dos títulos, o uso de palavras-chave, ligações internas, a quantidade de multimédia, a extensão de parágrafos e legendas. Serve também para sugerir títulos, subtítulos e palavras-chave. Está também integrado no SEO, oferecendo alternativas criativas e otimizadas a partir do conteúdo original, tendo em conta tanto a abordagem editorial como os critérios de posicionamento. Mas o futuro indicia mais pequenas revoluções na forma de trabalhar."Também estão em diferentes fases de desenvolvimento ferramentas como um assistente comercial, um assistente de capital humano, um assistente de métricas, uma pontuação de notícias para editores de primeiras páginas e a geração de fichas para jogos de futebol", acrescenta Pablo Vaca.
O "Clarín" celebra 80 anos a 28 de agosto deste ano. É o jornal líder na Argentina nos últimos 50 anos em vendas e relevância. No mundo digital, é o jornal em espanhol com o maior número de subscritores digitais do mundo, com mais de 700 mil. Tem cerca de 40 milhões de utilizadores únicos por mês, o que os coloca entre os três meios de comunicação mais visitados da Argentina.
Situação portuguesa
"A IA não tem de ser uma ameaça aos empregos no setor. Pode, antes, ser uma oportunidade para redefinir e valorizar o papel dos jornalistas. Desde que usada com responsabilidade, supervisão humana e transparência, a IA pode reforçar a confiança do público e tornar a imprensa mais relevante e sustentável"
Na agência de notícias portuguesa, o cuidado é semelhante. "Claro que a IA poupa trabalho, sendo capaz de resumir relatórios ou fazer tabelas. Na Lusa, demos uma formação básica a todos os jornalistas. O problema é nos artigos mais longos ou entrevistas, que têm de ser feitos por humanos", refere Luísa Meireles. "Temos um conjunto de seis princípios, sendo que o último é o da responsabilidade individual de cada jornalista. Temos de ter cuidado e verificar as fontes", sublinha a diretora da Lusa. "É verdade que a Europa adota uma abordagem mais cautelosa do que outras regiões do Mundo. Mas essa prudência não deve ser confundida com atraso", alerta Cláudia Maia.
"Não devemos usar essas ferramentas como fazemos com o Google. Claro que do ponto de vista jornalístico, a IA poupa trabalho, sendo capaz de resumir relatórios ou fazer tabelas. Na Lusa demos uma formação básica a todos os jornalistas", refere Luísa Meireles.
"A IA não tem de ser uma ameaça aos empregos no setor. Pode, antes, ser uma oportunidade para redefinir e valorizar o papel dos jornalistas. Desde que usada com responsabilidade, supervisão humana e transparência, a IA pode reforçar a confiança do público e tornar a imprensa mais relevante e sustentável", realça a presidente da direção da Associação Portuguesa de Imprensa, mostrando concordância com a visão do presidente do Sindicato dos Jornalistas.