No primeiro aniversário como líder do PSD, que hoje se assinala, Manuela Ferreira Leite enfrenta um triplo desafio eleitoral. Em entrevista ao JN, diz que não pedirá maioria absoluta nas legislativas porque recusa "fazer chantagem" sobre o eleitorado.
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Sem ceder a tacticismos, admite vários cenários, se vencer o sufrágio. E, preocupada com a situação económica, desabafa: "Receio que já tudo esteja morto quando aplicarmos os tratamentos"
Como está a viver esta fase da campanha eleitoral? Está satisfeita? O partido avançou, digamos assim. Se não em relação às suas expectativas, pelo menos àquilo que os observadores supunham.
Nunca esperei muito menos. A despeito de estar satisfeita por se concretizar o que pensei, percebo que na opinião pública essa expectativa não estava criada.
Vai ganhar as eleições europeias?
Estou absolutamente convencida que sim.
As sondagens têm dado mais optimismo à campanha...
As sondagens são sempre...
Valem o que valem, é o que vai dizer.
Não digo, porque não gosto dessa frase. As sondagens têm algum efeito de natureza psicológica, mas não deixam de corresponder ao que se vê no terreno.
Conta a sondagem do dia 7...
Sim. Com algumas cautelas, porque a abstenção provavelmente vai ser elevada e é contra ela que temos de lutar. Há um traço comum a todas as sondagens: que o PS tem uma tendência decrescente e o PSD crescente.
Estando o país no estado em que está - e tendo em conta as críticas ao Governo - não seria de esperar que nesta altura, embora se trate de eleições europeias, o PSD estivesse numa posição mais vantajosa nas sondagens?
Fico satisfeita como essa expectativa. Vim para a liderança do partido há um ano e nessa altura a expectativa era de que o PSD pudesse sobreviver a uma crise interna. Neste momento, é se ganha ou não eleições. Um salto qualitativo extremamente importante.
A que se deve essa evolução? Ao trabalho feito, à queda do PS, à crise ou ao facto de na altura das eleições o partido se unir?
Com certeza, a várias circunstâncias. Entendo que o partido se credibilizou perante a opinião pública. Mas a questão da crise económica funcionou mais contra do que a favor do PSD.
Porquê?
Porque muito do que se está a passar no país é por grande parte da opinião pública atribuído à crise, o que não é verdade. É agravado pela crise, mas ainda a crise não estava declarada e já eu própria anunciava que isto iria acontecer.
Continua convencida de que o primeiro-ministro é o coveiro do regime, como chegou a afirmar?
Não disse que era o coveiro do regime, disse que era o coveiro da economia. Continuo convencida de que é. E continuarei se os megaprojectos que por aí andam se concretizarem. Podemos ficar irremediavelmente pobres.
O facto de passar a mensagem de que a situação do país é devida à crise significa que o PSD não a consegue contrariar. A opinião pública não está sensibilizada?
As pessoas esclarecidas não têm dúvidas acerca do que digo, mas parte importante da população não tem esse esclarecimento tão profundo. É por isso que digo que a crise beneficiou o Governo. As pessoas têm tendência não só para atribuir o que está mal a razões externas como para se acomodarem ao que conhecem, o que só prejudica um partido da oposição.
Todos os partidos abordam questões nacionais nas europeias. Mas, aparentemente, o PSD está a ir mais longe: encara-as como "prólogo" das legislativas. Não é um passo arriscado? Se a coisa correr bem, toma balanço; se correr mal têm efeitos negativos nas legislativas.
Não posso traçar caminhos só com base em cálculos eleitorais. O que é correcto é esclarecer as pessoas sobre o que está efectivamente em causa. O que neste momento as preocupa são temas nacionais, relacionados com a Europa.
Um resultado menos bom agora pode ter efeitos a seguir...
Não faço esse tipo de cálculo. Faço o que entendo que deve ser feito em determinado momento, para uma política séria. O que é honesto e tem de se fazer é demonstrar que as questões europeias não estão desligadas das nacionais. Seria estranho discutir o Tratado de Lisboa com problemas gravíssimos de desemprego ou de natureza social, que decorrem também da nossa ligação à Europa e das políticas europeias.
Nos últimos tempos, tem sido discutido o "caso Freeeport".
Não me viu a mim, nem ao PSD, discutir vivamente o "caso Freeport" ou sequer estabelecer alguma relação com a situação do país. Se as pessoas discutem, são livres.
O partido não vai usar o caso como arma de campanha?
Com certeza que não.
O caso começou com o "cozinhado" de uma carta anónima por parte de um polícia, um jornalista e um político, por sinal do seu partido. Não acreditamos que concorde com este método de investigação.
Evidentemente que não. Houve uma denúncia, por métodos que não terão sido os mais ortodoxos, mas nunca ninguém pôs em causa que o facto existiu. Uma coisa é a origem - por que veio ao de cima - outra o facto.
O PSD não entregou o protagonismo ao CDS na questão da ida de Lopes da Mota ao Parlamento?
Eu tenho muita dificuldade a raciocinar nesses termos. O que é necessário é que o problema se resolva do ponto de vista formal. Se vem, ou não, ao Parlamento e quem tem protagonismo... Se pensarmos assim não vamos longe.
Pela maneira como tem falado dos objectivos eleitorais parece que não quer a maioria absoluta. É falta de ousadia ou é só realismo?
Não estou convencida de que a governabilidade do país ou a estabilidade política do país dependem de um governo de maioria ou um governo de minoria.
Em toda a Europa há coligações, admite uma aliança pós-eleitoral?
Não há só coligações, há acordos parlamentares. Há muitas coisas susceptíveis de ser feitas para que um governo execute o programa.
Olhando para as sondagens, um governo minoritário passará com votos do PP, PSD e PS. Não é crível que o Bloco e o PCP viabilizem governos mais à Direita. É outra forma de fazer um Bloco Central?
Não acho. O Governo minoritário de Guterres teve aspectos altamente negativos, não tomar decisões ou não fazer reformas. Mas não as fez porque não as propôs, não por não ter maioria. Teve os seus orçamentos aprovados, sempre com a abstenção do PSD.
Acordos parlamentares seriam possíveis como? Negociando blocos de grandes temas?
Não sou capaz, neste momento, de lhe dar uma resposta concreta. Tivemos um governo de maioria deitado abaixo pelo presidente da República. Existe de tudo e, portanto, não vale a pena pensarmos que há uma solução óptima. Logo se vê.
Vai pedir a maioria absoluta na campanha das legislativas?
Não tenciono fazer essa chantagem sobre o eleitorado.
Admite recuperar uma ideia de Marques Mendes de criar um ministério específico para as PME?
Devo dizer-lhe que não pensei nisso, mas sou verdadeiramente contra o facto de ter de se criar um ministério para resolver um problema no país.
Acha que os governos são estruturas pesadas?
Pesadíssimas!
Já fez o desenho do seu Governo?
Já.
E quer partilhar connosco?
Não.
Mas reduziria em que áreas?
Para isso dava-lhe a resposta, que não estou a querer dar.
Menos ministros e ministros com mais poder?
Provavelmente sim. E menos secretarias de Estado. Não se esqueçam que um dos governos mais eficazes foi o governo minoritário do professor Cavaco Silva e era um governo bem pequeno.
Com a actual conjuntura um governo minoritário, seu ou do PS, pode ser bem sucedido?
Não vejo por que não. Na nossa democracia, temos exemplos de tudo. De governos minoritários muito bons, como o do professor Cavaco Silva, e de governos minoritários que cumpriram a legislatura, caso do que foi liderado pelo engenheiro Guterres.
Mas isso significa, por um lado, que está disposta, se for primeira-ministra, a ir negociando caso a caso, mas que também está disposta, se for oposição, a viabilizar um governo socialista.
Com certeza, desde que o Governo do PS não tenha uma posição de arrogância que a toda a hora invoca para fazer aquilo que entende e que, muitas vezes, é contrário ao interesse nacional.
Fala da arrogância do primeiro-ministro tantas vezes quantas as que o primeiro-ministro fala do seu pessimismo.
E o meu pessimismo é devido a quê?
Às críticas sucessivas que faz à política do Governo.
Isso não é pessimismo, é realismo. Gostaria de achar tudo bem. Já disse que a reforma da Segurança Social é algo com que não estou em total desacordo. Já viram o primeiro-ministro tomar em consideração alguma proposta da Oposição? Este é o exemplo de um governo maioritário que tem sido prejudicial ao país. Afirmo-o categoricamente.
É o desemprego o que a preocupa mais?
No presente, o problema mais dramático da sociedade portuguesa é o desemprego.
O que o Governo tem feito neste domínio é o oposto do que faria?
Não diria o oposto, mas que seria completamente diferente. As soluções de combate à crise que têm sido testadas, a nível europeu e mundial, não podem deixar de ter em atenção a situação específica de cada país. Portugal tem uma estrutura produtiva peculiar, assente basicamente em pequenas e médias empresas. Toda a política que não seja no sentido de ajudar a que estas empresas sobrevivam neste período só pode contribuir para o aumento do desemprego. É o que tem acontecido. Não é por acaso que continua a crescer, a despeito de um conjunto enorme de medidas que o Governo tem anunciado. Medidas com características que provavelmente têm conduzido a este resultado. Muitas delas, não passaram de anúncio. Algumas concretizaram-se, mas não num sentido de fazer sobreviver as empresas. Apoiar as empresas através de linhas de crédito não é ajudar a que sobrevivam.
Adia-se o endividamento?
Agrava-se o endividamento! Neste momento em que o crédito é escasso - e caro - considerar que a solução para as empresas é dar-lhes acesso a linhas de crédito é o mesmo que dizer: vão lá, endividem-se com custo muito elevado e quando a crise passar estarão piores do que hoje. Grande maioria das empresas não tem acesso a essas linhas de crédito, apesar de estarem abertas. Está a oferecer-se algo que não existe.
Se as empresas estão endividadas, a alternativa de redução de impostos, proposta pelo PSD, não pode servir para saldar dívidas, em vez de criar emprego?
Para a manutenção de emprego, é necessário reduzir os custos do trabalho. Essa redução é que pode levar os empresários a admitir mais funcionários.
Se a poupança for usada pelos empresários para reduzir o endividamento, o efeito não se obtêm.
Não. Se há redução da taxa social única, ela só pode ter efeitos no emprego.
O PSD, com essa proposta, salvaguarda a sustentabilidade da Segurança Social?
Com certeza! Fizemos a proposta de que a Segurança Social deveria ser reforçada por via do Orçamento de Estado (OE). Fizemos propostas muito coerentes, muito bem estudadas, aprofundadas, com equilíbrio, com os cálculos financeiros todos feitos.
Contrastando com o Governo em relação à obras públicas, é isso que quer dizer?
Não estava a pensar nesse contraste. É tão nítido que escusava de o citar. Contrastando com as medidas que o Governo tem tomado, que não se sabe de onde vem o dinheiro. Estou legitimamente desconfiada de que pode estar a vir da Segurança Social.
É uma acusação grave. Está a dizer que há fraude?
Não, não digo que há fraude.
Se o dinheiro vem do orçamento da Segurança Social, está a ser desviado.
Daí até dizer fraude... É uma palavra que não utilizei, nem utilizaria.
Como lhe chamaria, então?
Estamos a aplicar dinheiros públicos em apoios diversos. São milhões anunciados todos os dias - ou todas as semanas. Se o dinheiro vem do OE, já teria de haver orçamento rectificativo.
O ministro das Finanças disse que há margem de segurança.
Mas o orçamento não tinha margem de segurança, nem nada disto estava orçamentado. O orçamento tinha à partida um défice que se sabia não ser aquele. Tanto assim é que foi corrigido. Logo, a margem de segurança do orçamento não era nula, era negativa. Foi a primeira vez na história da democracia que se corrigiu um orçamento passados 15 dias.
A execução orçamental tem-se mantido a níveis razoáveis.
Mais me ajuda! Se estas medidas não estavam orçamentadas, ou são só anúncio ou, como não vem do orçamento, o dinheiro só pode estar a vir da Segurança Social.
Teme que, nessas condições, seja posta em causa a sustentabilidade da Segurança Social?
Exactamente! Não tem nada a ver com fraudes.
O Governo garantiu...
Garantiu, mas é discurso. Porque números, mapas, informações, estamos fartos de os pedir e não nos chegam. Esta informação não é dada à opinião pública. De onde vem o dinheiro? Qual o destino que lhe está a ser dado? Quais as empresas e quantas pessoas estão a beneficiar destes projectos? O desemprego aumenta, a situação social piora! Noutros países europeus, a informação está a ser dada aos parlamentos. Em Portugal, não sabemos nada. A minha desconfiança é legítima. Uma de duas: ou é só anúncio ou o dinheiro está a ser canalizado de forma a não produzir os efeitos desejados - situação social melhor, ou pelo menos não tão grave, menos desemprego.
Há uns meses dizia, a propósito das medidas que o PSD propõe de apoio às PME, que teriam um peso de 0,2% no PIB e fariam aumentar o défice, então de cerca de 2,4%, para 2,6%. Essas propostas são compatíveis com os actuais valores do défice e com os que se prevêm? Que medidas mais seriam necessárias, de forma a que o défice não atingisse valores ainda mais altos?
Não tenho dúvidas nenhumas de que quando fizemos a proposta a situação das finanças públicas era bem melhor do é hoje. Se a de hoje é a que pensamos; se não é pior. Mas a proposta teria também benefícios nas contas públicas. Se o desemprego fosse travado, melhorar-se-ia a situação nos apoios ao desemprego, por exemplo. Estamos perante um facto concreto que ninguém nega: uma situação de desemprego séria, que tem tendência para piorar porque, se vir os números de evolução do produto, verificará que a queda é incompatível com as taxas de aumento do desemprego.
A questão não era essa. Houve uma alteração de cenário. Qual seria a solução...
Tenho receio de que quando aplicarmos os tratamentos já tudo esteja morto. As medidas para as PME tinham como objectivo resolver o seu problema mais grave, que é de tesouraria. Não se resolve com crédito, mas com determinado tipo de alívio no seu dia a dia, como as dívidas do Estado às empresas e os prazos de pagamento do IVA. A alteração do prazo de pagamento do IVA não tem nenhum efeito orçamental.
As medidas tomadas pelo Governo em matéria de pagamento mais rápido das dívidas do Estado não estão a ter resultado?
Se conhecer alguma empresa em que tenham resultado, diga-me, para meter na minha lista, que ainda lá não tenho nenhuma.
Mais uma vez anúncio, apenas?
Anúncio, dificuldade de concretização e sucessivo adiamento do momento em que começam a ser feitos os pagamentos. Já estava atirado para Junho, julgo que para coincidir com as eleições, mas nem isso...
Se o PSD chegar ao Governo, o que fará para baixar o défice? O primeiro-ministro diz que é um processo mais ou menos automático: quando a economia começar a crescer, o défice baixa, por via da reposição da receitas que se perderam. A saúde das empresas melhora, entram mais impostos nos cofres do Estado. É verdade?
É verdade em relação ao que se está a passar, que é a prova de que a consolidação das contas públicas não foi feita. Quando é feita à custa da receita, tem exactamente esse efeito: se existe uma queda, o défice agrava-se, se a economia começa a crescer aumentam as receitas e resolve-se o problema do défice. O PSD sempre defendeu que a consolidação deveria ser feita pelo lado da despesa.
O Governo anterior deixou um défice de mais de 6%.
Quer falar sobre isso? Perco à vontade dez minutos para explicar. É uma criação inconcebível! Como é possível fazer-se uma história de algo que não existiu...
É manipulação dos números?
É manipulação dos números. Vou dizer porquê. Recusei sempre comparar a situação orçamental que o PSD encontrou quando chegou ao Governo com a actual. Os contextos são diferentes, as restrições também. Fazer uma comparação revela pouca honestidade política. Na altura, Portugal era o primeiro e único país a enfrentar um processo por défice excessivo.
O combate ao défice não foi feito também pelo lado da receita?
Foi. E não me arrependo. Tínhamos um ano para resolver o problema e a penalização seria a impossibilidade de acesso a fundos estruturais. Tínhamos a certeza de que seria aplicada. Estávamos sozinhos à mesa, somos um pequeno país. Lancei mão de tudo o que a minha imaginação conseguiu criar. Não era possível num ano baixar-se a despesa de forma drástica, a menos que encostasse os funcionários públicos a uma parede e os aniquilasse. Mesmo que saíssem para a reforma, receberiam pensões. O processo teria de ser concretizado pelo lado da receita. Não apenas através de aumento de impostos, como o IVA, mas de receitas extraordinárias - apenas naquele ano, que não se repetiriam. Atingi o objectivo essencial para o país nesse momento: entrei com o processo aberto, saí com o processo arquivado.
Por que fala, então, em manipulação dos números?
Ainda não acabei... O problema seriíssimo que o país tinha estancou. De seguida, veio o Governo de Santana Lopes. Apresentou um orçamento para 2005. Quando entrou o novo Governo do PS, em Abril. tinha passado um terço do ano e o que foi feito foi uma ficção do défice até ao fim do ano. Perguntou-se a cada um dos serviços de quanto dinheiro precisava para se governar até ao fim do ano. Passaram-me 20 e tal orçamentos pela mão. Se algum dia me tivesse lembrado de fazer um orçamento perguntando a cada serviço quanto dinheiro queria... Nunca ninguém fez um orçamento assim. Não se faz, ponto final. Devo dizer que acho pouco, quando se chegou ao fim dos "pedidos", que o défice tenha sido fixado em 6,83%. Até foram comedidos, porque o normal seria atingir um valor absolutamente exorbitante. Ainda por cima, sendo um valor de estimativa às centésimas. Tenho muitos anos destes trabalhos e nunca vi uma estimativa - nunca! - até às centésimas. Quando se falou em 6,83% foi para transmitir à opinião pública a ideia de que era o número exacto, uma conta e não uma estimativa. Não foi deixado défice nenhum de 6,83%. Foi deixado um orçamento que não apontava para esse défice. O que o novo Governo deveria ter feito era cortar algo de excesso, não aumentar para que atingisse aquele valor.
A situação, agora, é diferente.
A situação alterou-se. Já não é Portugal que tem um problema de défice excessivo, mas a Alemanha, a França, a Itália, todos os grandes. Deixou de haver prazos para corrigir o défice excessivo, deixou de haver penalizações. Mal seria que os métodos utilizados fossem os mesmos. Mas foram: se analisar como foi feita a consolidação orçamental, que passou para 2,9 ou 2,8%, quero que me diga se o montante de receitas extraordinárias é maior ou menor do quando as utilizei para acorrer a uma situação de emergência. Também há hoje receitas extraordinárias com grande significado. E aumento de impostos como há muito tempo não havia. Como os impostos, em princípio, devem descer e as receitas extraordinárias não vão repetir-se, é evidente que o défice seria muito superior. Agora com a crise, tudo está desculpado.
Uma questão que tem marcado muito esta legislatura prende-se com os professores. Já defendeu a suspensão do processo de avaliação. Qual é a sua alternativa? Defende a progressão automática?
São duas questões diferentes. Nunca contestei a ideia de que é necessário haver uma avaliação de professores. Agora, não aceito que haja só uma fórmula de avaliação. Por motivos vários, aquela que foi definida pelo Ministério - com razão ou sem razão - não funcionou. Um governo tem a obrigação de ser sensível a esse tipo de coisas e não pode fazer a reforma contra as pessoas. Por outro lado, seguiu um caminho, igual em todas as propostas de reforma que fez - em relação aos professores, aos funcionários públicos, aos militares, aos juízes -, que passou, primeiro, por desprestigiar a função para depois ficar com campo livre para poder actuar. É uma técnica errada, porque humilhou os professores, desmotivou-os e teve uma consequência gravíssima que foi ter levado a que os professores mais antigos se tivessem desiludido e ido todos para a reforma.
Mas qual é a alternativa?
A alternativa passa pela discussão na Assembleia na República e com os próprios professores.
O que é necessário fazer para reduzir a conflitualidade neste sector, que parece endémica? Basta corrigir o tiro na questão da avaliação?
Existem, com certeza, muitos outros aspectos, mas os pontos fundamentais são a avaliação e alguns aspectos de injustiças que foram criadas na progressão das carreiras. Há também o problema sério do Estatuo do Aluno, que tem imensas nuances que têm que ser corrigidas, porque é fundamental restabelecer-se a autoridade do professor na sala de aula.
A Educação Sexual nas escolas merece a sua aprovação?
Merece com duas condicionantes: que não seja obrigatória e que não seja a partir de uma idade muito tenra. Obrigatória a partir dos 9 anos, estou contra.
E a distribuição de preservativos?
Todo esse tipo de coisas deve ser facultativo. Acho um erro, do ponto de vista de valores da sociedade, que retiremos à família o papel que deve desempenhar. Ser o Estado que se intromete a regular e a estabelecer quais são as orientações de educação que cada um quer dar ao seu filho, acho profundamente errado.
O Estado não pode ignorar que somos o segundo país da Europa com a mais alta taxa de adolescentes grávidas.
E os pais também não podem esquecer isso. Os pais que não queiram que os seus filhos sejam iniciados nos conhecimentos sobre educação sexual sem ser por eles próprios estão no seu direito de o fazer. Não podem os alunos obrigatoriamente fazer isso na escola através de professores que podem não ser aqueles que orientam as coisas da forma que os pais querem.
Como é que acompanhou o envolvimento de Dias Loureiro no caso BPN, que culminou agora com a sua demissão do Conselho de Estado? Acha que a saída aconteceu no momento certo?
Se tomou a decisão agora é porque entendeu que, do ponto de vista institucional, era agora que o deveria fazer.
Vítor Constâncio deve manter-se no Banco de Portugal (BdP)?
Não faço esse tipo de análises tão primárias e tão simplistas sobre uma matéria que é sensível. Ainda não vi nenhumas conclusões profundas sobre as implicações que tiveram as entidades reguladores nessa matéria e há um ponto sobre o qual eu tenho tido sempre muito cuidado e vou continuar a ter: é muito mau para o país o descrédito das instituições, tem grandes implicações no estado de espírito das pessoas e eu não tenciono contribuir para isso. É preciso muito cuidado quando se fala numa instituição como o Banco de Portugal.