Líder do PCP, Jerónimo Sousa, insiste na necessidade de ser aprovada legislação que criminalize o enriquecimento ilícito.
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Se dependesse dele, empresas como a Galp, a EDP, a PT e a banca comercial seriam nacionalizadas. Jerónimo de Sousa considera-as alavancas económicas e financeiras fundamentais para escapar aos efeitos devastadores da crise. Quanto a José Sócrates, o líder do PCP considera que já devia ter tido "disponibilidade total" para esclarecer o que há a esclarecer no "caso Freeport". Se foi aberto inquérito, sustenta, é porque existiram pressões sobre os investigadores.
Nas Jornadas Parlamentares do PCP, foi discutida uma nova iniciativa legislativa para criminalizar o enriquecimento ilícito. Foi apresentada depois de o PSD dar conta da mesma intenção. O PCP anda a reboque do PSD nesta matéria?
Não. Antes do anúncio da dr.ª Ferreira Leite, um canal de televisão já tinha informado que íamos apresentar o nosso projecto de lei. Não se trata de concorrência. Não tem mal nenhum, antes pelo contrário, que outras forças políticas tomem também a iniciativa. Pena que o PS não só não apresente como não mostre disponibilidade para considerar essa importante matéria.
O diploma é semelhante ao apresentado pelo PCP na anterior sessão legislativa?
No essencial, sim. Não se trata aqui de perseguir quem, por razões diversas e legitimamente, enriqueça. Mas, como diz o nosso povo, "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado vem". Importante é que se saiba de onde vem.
No entender do PCP, o reforço de incompatibilidades de políticos que exercem funções privadas é fundamental?
A transparência é fundamental. Não se trata de castigar quem esteve no Governo e passa para o sector privado. Mas essa deslocação, sem garantias de transparência e neutralidade, exige uma iniciativa legislativa. Sabemos que muitas vezes isso não se faz por lei, mas é uma contribuição, a bem da democracia e da transparência. Num quadro de suspeições, de promiscuidade, todos teriam a ganhar com a clarificação.
Admite que desta vez o PS esteja mais disponível para lhe dar luz verde?
Quem não deve não teme. A iniciativa é útil para o próprio PS, que sistematicamente vem acusando de campanhas e de suspeições infundadas. Em correspondência com alguns esforços de militantes e dirigentes do PS, designadamente do deputado João Cravinho, é fundamental. O povo português está profundamente desconfiado, nalguns casos até revoltado. O PS só beneficiaria se mudasse de posição.
Outro projecto que o PCP está a preparar diz respeito à fiscalização dos dinheiros públicos concedidos a empresas. Empresas em crise ou também de investimentos, eventualmente estrangeiros?
Partimos sobretudo da aplicação do lay-off, que se generaliza a muitas empresas, com apoios do Estado. Manda-se dinheiro para cima dos problemas, em alguns casos com justificação, particularmente no que diz respeito às pequenas e médias empresas. É preciso fazer a conveniente fiscalização. O lay-off, sendo de excepção, exige medidas excepcionais. São os trabalhadores e a Segurança Social que suportam uma fatia grossa dessa situação excepcional. Nesse sentido, vamos avançar com uma iniciativa de alteração ao lay-off. Não estamos a generalizar, mas é importante, para a defesa dos dinheiros públicos, que exista fiscalização e se evitem situações de abuso de que temos conhecimento, como trabalho extraordinário, abdicação e corte de direitos, particularmente em relação aos horários de trabalho. Se o Estado investe, se o Estado ajuda, exige-se fiscalização.
O Tribunal de Contas não é suficiente para a exercer?
Não se pode substituir à Inspecção do Trabalho, nem está vocacionado para essas operações de fiscalização. Quando muito, poderá agir a posteriori. O que propomos é que, aplicado o dinheiro, continue a fazer-se por via da Inspecção de Trabalho - ou da Inspecção de Finanças, admito - esse acompanhamento. Não é depois de as coisas acontecerem…
Esse modelo aplicar-se-ia a investimentos feitos em empresas nacionais ou também estrangeiras que venham para cá?
Não podemos resolver tudo no plano nacional. A aplicação de fundos comunitários exige consideração em sede da União Europeia. Mas no plano nacional verificamos, num quadro de crise económica, a facilidade com que certas empresas, designadamente multinacionais, rompem compromissos, procedem a despedimentos e deslocalizações sem nenhuma consequência, sobrando para o Estado português consequências tremendas, com impactos locais, regionais e nacionais. Fica a factura dolorosa para o país, para a Segurança Social, enquanto aqueles que tinham um compromisso, que receberam apoios e verbas são totalmente ilibados. Há aqui uma distorção inaceitável, que é responsabilidade do Governo, mas não única; também da União Europeia.
A AICEP tem vindo a argumentar que é necessária alguma confidencialidade nos apoios financeiros, sob pena de outras empresas disputarem esses apoios…
A confidencialidade nunca pode, numa situação de falência, despedimento colectivo, redução dos postos de trabalho ou até de deslocalização da empresa, ser uma questão fundamental para se ficar manietado e se impedir o Estado português de agir em conformidade com os interesses nacionais. Não aceitamos, nem podemos conceber que, por razões de mera concorrência, se fique manietado perante uma situação grave.
Não teme que as empresas estrangeiras possam entender o conjunto de regras que o PCP defende como espartilho à sua actividade e as leve a pensar duas vezes, antes de virem para o país? A consequência pode ser dificultar ainda mais a vinda de investimento estrangeiro.
Há bom e mau investimento. Não somos contra o investimento estrangeiro, mas estarão de acordo que as empresas que o querem fazer não venham para o nosso país de forma irresponsável, que lhes garanta, em qualquer situação, levar os seus objectivos até ao fim, independentemente das consequências sociais. É importante - isto não é hostilizar o investimento estrangeiro - ter garantias.
Filtrar mais o investimento…
Exactamente. Não basta dizer: "Venha investimento".
Se não vier para cá, para algum lado há-de ir. Como está a economia hoje, é um risco.
Sim, é um risco. Mas investimento nómada, que usufrua de fundos e garantias e que à primeira dificuldade - ou porque tem outro país onde possa investir - levante a tenda, deixando um rasto de miséria e dificuldades sociais… Não podemos ficar manietados!
Até que ponto está o PCP disponível para desbloquear o dossiê provedor de Justiça?
O PCP teve sempre em relação a essas matérias uma crítica fundada. Ao longo das últimas décadas, sempre houve um entendimento exclusivo entre PS e PSD, que partiram e repartiram as soluções, em conformidade com os seus interesses partidários. Eram os únicos partidos que perfaziam os dois terços, a maioria qualificada, mas nesta legislatura há uma realidade nova.
Há possibilidade de os partidos mais pequenos terem uma intervenção efectiva.
Exacto: mesmo sem o PSD, é possível essa maioria qualificada. Tendo em conta as características do cargo, que visa a defesa dos interesses dos cidadãos, com um papel claro no plano constitucional, deveria haver um esforço para consensualizar uma solução, despartidarizá-la. O PCP propôs isso. Não só se mostrou disponível para encontrar uma solução, como apresentou uma proposta de nome.
Admite viabilizar o nome de Jorge Miranda?
Creio que ninguém deveria ter posições radicais e fechadas. Não se trata de uma questão de teimosia. O povo português não entenderá que não haja um esforço de convergência para um cargo com estas características.
Não deixaria de ser irónica a escolha de Jorge Miranda por todos os partidos, menos pelo partido de que ele é originário…
Posso entender a crispação do PSD, tendo em conta todo o histórico que existia, mas acho que não tem razão ao dizer que o cargo deveria ser do PSD. O cargo deve ser da República, não deste ou daquele partido.