De ventos e casamentos estamos conversados, podem ser bons ou maus, venham de onde vierem. São maus os de Espanha? Isolados na nossa nesga peninsular, não temos outros inimigos à mão. Só esses. Inevitável a rivalidade, portanto.
Corpo do artigo
Expulsos os mouros e sendo guerreira a natureza política dos povos medievos, havia que combater para conquistar prestígio e território. Os chefes tinham de firmar laços senhoriais, recompensando as respectivas clientelas. As cruzadas eram uma escapatória, como veio a ser a expansão. Mas o mais prático, reconheça-se, era andar à porradinha no quintal.
Pode ser feio pôr as coisas nesses termos, mas faz sentido. O que não faz sentido é falar de Portugal e Espanha em todo o percurso, muito menos de portugueses e espanhóis. Fundado com a cumplicidade de Afonso VII de Leão e Castela, que precisava de vassalos reis (sê-lo-ia Afonso Henriques, embora pouco) para se legitimar imperador, o reino de Portugal demorou séculos a ser uma identidade pátria popular. Do outro lado, só pode falar-se em Espanha com os Reis Católicos, na viragem do século XV para o XVI. Antes, a rivalidade entre portugueses e espanhóis era tecnicamente impossível.
Aljubarrota, vendida a muitas gerações como um momento de fervor pátrio, portugueses contra castelhanos, é episódio central de algo muito mais complexo, em que a crise dinástica resultante da morte de D. Fernando tem papel central, mas não único. A pertença a esta ou àquela facção (passava-se facilmente de um para outro partido) não tinha como factor preponderante o sentimento de pertença a um país.
Pelo menos, dirão os patriotas tradicionais, a coroa não caiu nas mãos de Juan I de Castela, casado com Beatriz, filha única do último rei da dinastia de Borgonha. Só em 1580, com Filipe II de Espanha e primeiro de Portugal (que ajudara a empurrar D. Sebastião para o abismo de Alcácer-Quibir), os portugueses passaram a ser mais ou menos espanhóis. Mas o curso dos acontecimentos, um século antes, poderia ter invertido tudo.
A vontade de dominar o vizinho foi sempre mútua. Da guerra peninsular de 1475-79, que terminou com a batalha de Toro e o advento dos Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, de cuja união resultou a grande Espanha, poderia ter resultado um cenário distinto. Há historiadores espanhóis (insuspeitos, supõe-se) que deixam claro que, se D. Afonso V e o Príncipe Perfeito tivessem sido diplomaticamente mais hábeis, seduzindo a hesitante aristocracia castelhana, poderia ter-se dado a junção entre Portugal e Castela, passando o grande país ibérico a estar no lado ocidental. Depois, as ambições iberistas portuguesas não se perderam. A união das coroas era, para o nosso D. Manuel I, uma obsessão, materializada em sucessivos casamentos com princesas espanholas (duas filhas e uma neta dos Reis Católicos). Ficou por aí.
Durante os reinados filipinos (1580-1640), poderá dizer-se que algum patriotismo houve na "resistência", mas a verdade é que, mais do que motivações poéticas, havia deste lado uma aristocracia desejosa de criar uma rede de privilégios que lhe fosse favorável. Nos campos de batalha, porém, a guerra da Restauração estendeu-se por longos anos. Era o povo que combatia os espanhóis, e isso já dava para cimentar ódios. Como outros episódios bélicos ou, claro, as permanentes disputas entre os dois primeiros grandes protagonistas da expansão marítima.