A justiça dos EUA marcou para dia 20, terça-feira, um encontro para reunir os credores da FTX, declarada como falida em novembro. Entre os portugueses prejudicados, tenta-se juntar gente suficiente para uma ação conjunta.
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A OffChain Lisbon, a vertente lusa da comunidade mundial de entusiastas de criptoativos OffChain, está a reunir pessoas para avançar com uma ação coletiva contra a FTX. A organização, fundada por Pedro Aguiar e José Reis Santos, procura investidores nacionais que tenham sido afetados pela falência da segunda maior corretora mundial de criptomoeda. "Precisamos de chegar, pelo menos, às 100 pessoas", diz Pedro Aguiar, cofundador da OffChain Lisbon, e um dos afetados com a falência da FTX. "Temos esperança de conseguir recuperar, pelo menos, parte das perdas, ainda que demore", acrescenta.
A OffChain "não tem uma ideia" de quantas pessoas terão sido afetadas, porque não pergunta. Os valores envolvidos também são desconhecidos, mas, na maioria, estarão investidores que aplicaram cerca de cinco mil euros, outros com valores na ordem dos 20 mil euros e alguns nos 50 mil.
A nova direção da empresa, liderada por John Ray, disse que já recuperou cerca de mil milhões de dólares (cerca de 940 milhões de euros) em ativos digitais, montante que será utilizado para ressarcir as perdas dos credores. A plataforma, que em tempos foi avaliada em 32 mil milhões de dólares (30 mil milhões de euros), pode ter mais de um milhão de credores em todo o mundo, incluindo em Portugal. Até ao momento, a FTX empresa admitiu que deve mais de três mil milhões de dólares (2,8 mil milhões de euros) aos 50 maiores credores.
"Ando neste ramo das criptos há alguns anos e não tinha tudo na mesma carteira. A FTX aparentava ter tudo direitinho, ter tudo regulado, ter fundos" para cobrir os investimentos dos clientes. "Foi tudo muito esquisito, para mim e para para todos os outros", reconheceu Pedro Aguiar, que é um dos lesados portugueses.
Inverno da criptografia
O negócio da criptomoeda enfrentou vários desafios este ano, após a falência da Terra (Luna), que sustentava a TerraUSD, uma bitcoin estável, concebida para resistir à volatilidade do mercado, com paridade no dólar ou num bem tangível, e a "irmã" Luna, um token (não tangível). A falência da empresa fundada pelo sul-coreano Do Kwon, a viver na Sérvia para evitar a extradição para Seul, arrastou várias empresas para o chamado "inverno cripto".
A crise culminou no fim de várias empresas, como a "Three Arrows Capital", "Celsius", e "Voyager Digital", que apresentaram pedidos de falência. Enquanto isso, a FTX fazia peito e ajudava empresas mais pequenas em crise, antes de cair, com mais estrondo.
"A bitcoin não está associada a qualquer governo, é descentralizada e não pode ser controlada. Funciona como um fundo de cobertura contra manipulações que possam acontecer com o dólar ou o euro, por exemplo. Não há ninguém a mudar as regras do jogo consoante os interesses", diz Pedro Aguiar, reconhecendo que o sistema precisa de ser melhorado. "A bitcoin pode manter o sistema, mas deve haver alguma regulação para proteger os investidores de casos extremos", acrescenta, lembrando um exemplo já em prática.
"A OffChain Lisbon está a trabalhar com o governo em legislação fiscal, para pagar dividendos das bitcoins, como acontece noutro tipo de ativos e regulação. Depois, as entidades privadas que estejam a fazer um serviço têm de estar reguladas, como estão as empresas de investimentos", revelou Pedro Aguiar, reconhecendo que "é bem-vinda" a legislação que está a ser criada a nível europeu, conhecida pelo acrónimo MICA.
"A FTX do Japão foi mais protegida, porque como já tinha havido problemas antes, a legislação obriga a que haja uma banco em separado, uma terceira parte, onde fica depositado o dinheiro dos clientes; os investimentos da empresa são outra coisa. Quem tinha dinheiro no Japão vai recuperar todo", contra Pedro Aguiar.
"A tecnologia vai continuar a evoluir e esperamos regras para a indústria. Neste caso, as pessoas não esperam outra coisa, senão andam sempre na corda bamba", disse Pedro Aguiar. "Para massificarmos esta tecnologia precisamos de regulação", acrescentou, antecipando que o mercado dos criptoativos vai ficar mais saudável.
"As pessoas que acreditam vão continuar a acreditar e as empresas no núcleo disto continuam a apostar. As que estavam nisto apenas pelo dinheiro vão desaparecer. É uma limpeza, todos sofremos, mas como noutras áreas de atividades, ficará melhor", diz Pedro Aguiar.