Em Atenas, parece que nada de dramático acontece em dias cruciais para o futuro deste país, da Europa e da zona euro, como se uma estranha normalidade se instalasse em definitivo após longos períodos de convulsão.
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Apesar de algumas manifestações espontâneas de anarquistas, sem grande significado, dos habituais protestos do Partido Comunista (KKE), com reduzido impacto político, ou das recentes demonstrações dos "pró-europeus" e "pró-zona euro" frente ao parlamento nacional, tem sido o Governo do Syriza a mobilizar mais apoiantes para as ruas.
E neste aspeto, a Grécia volta a revelar-se um caso paradoxal face à suposta normalidade política europeia. Milhares a apoiarem um partido da esquerda radical que quase obteve maioria absoluta nas eleições de 25 de janeiro, e com diversos ministros a juntarem-se às manifestações sindicais organizadas no 1º de Maio.
À noite, no popular bairro Psila, grande parte dos típicos restaurantes com esplanadas enfeitadas com mesinhas e pequenas cadeiras de madeira estão cheios. Sobretudo de jovens, que conversam animada e descontraidamente, enquanto imigrantes de origem asiática, do Paquistão ou do Bangladesh, tentam fazer negócio com flores de ocasião.
No final da tarde, dezenas de jovens já em férias escolares regressam das praias das redondezas e saboreiam uma cerveja ou um frapé na praça Aghia Irini (Santa Irene), junto à igreja ortodoxa com o mesmo nome e outro conhecido local de encontros.
Alguns levantam dinheiro nas caixas multibanco, mas sem grandes atropelos. Os dados indicam que a recolha de numerário aumentou de forma considerável nas últimas semanas devido ao impasse negocial entre Atenas e os credores, mas não há pânico. Numa primeira abordagem, ninguém diria tratar-se de um país em profunda crise, à beira do colapso financeiro e em risco de permanência na zona euro.
"As pessoas estão a compreender progressivamente que o processo negocial não é sobre economia, é antes um jogo político. Estão cada vez mais convencidas que é um jogo de poder, e que o Governo de esquerda na Grécia é o alvo", diz Pavlos, funcionário público, que no entanto reconhece alguma preocupação.
Muitos gregos parecem convencidos que os credores e os parceiros da União Europeia (UE) estão a tentar evitar um acordo para que o Syriza seja responsabilizado pelo falhanço, e em última instância afastado do poder. Um jogo que pode ser perigoso num país de emoções e imprevisibilidades.
"Há um forte sentimento pró-europeu no país, que o país deve permanecer na zona euro, mas existe um crescente sentimento antieuropeu baseado e reforçado pela volatilidade das posições dos nossos parceiros", adianta, enquanto saboreia um copo de vinho tinto.
"Estou moderadamente otimista na possibilidade de um acordo no último momento, porque outra alternativa seria dar um passo no desconhecido?", admite.
Apesar da persistente crise, dos insistentes sinais de pobreza, a cidade parece respirar de forma mais descontraída. A presença policial tronou-se mais discreta e os turistas começam a surgir aos milhares, nos hotéis, nas ruas, a caminho da Acrópole. Um importante balão de oxigénio para a asfixiada economia helénica.
"Sinto que desde janeiro o Governo decidiu colocar as pessoas em primeiro lugar, o que não sucedia. Não sei se esta situação vai prolongar-se, mas sentimo-nos um pouco mais livres", assinala Athena, uma psicóloga com consultório no centro da capital, e enquanto petsica pratos tradicionais gregos num restaurante em Psila.
Um sentimento comum a muitos atenienses, sintetizado por Pavlos: "Não tenho outra hipótese senão acreditar no futuro da Grécia, no meu futuro, no futuro de quem gosto, no futuro deste país. Afinal, este país sofreu no decurso de séculos, e conseguiu manter-se de pé. É o que faremos também neste momento".
* Enviado da agência Lusa