Cem mil civis resistem na cidade portuária sitiada pelas tropas russas. Não há luz, comida e água para sobreviver.
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A "cidade heroica", apelidada pelo presidente ucraniano Zelensky, está a sobreviver aos contínuos bombardeamentos do exército russo. Alguns perspetivam que estará por dias a ocupação plena do município portuário de Mariupol. Até lá, milhares resistem e lutam segundo a segundo: protegem-se das bombas, bebem gotas de água de canos de esgotos e comem tudo o que encontram, como cães e pombos, para aguentar mais um dia.
"Apanhamos um cão vadio, que já não estava bem. Estávamos tão desesperados que o cozinhámos. Estávamos famintos e até tenho vergonha de contar isto", diz Alexandr Volodko, estudante de 21 anos, que conseguiu falar com o jornal britânico "The Telegraph", através das redes sociais.
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Os que conseguiram escapar ao inferno de Mariupol viajam maioritariamente até à cidade ucraniana de Zaporizhia. Outros têm o mesmo destino, mas desaparecem pelo caminho. Os sobreviventes contam que "as pessoas até pombos comem", diz uma mulher ao jornal espanhol "El País".
Localizada ao largo do mar Azov, entre a Crimeia (território anexado pela Rússia em 2014) e Donbass, região separatista reconhecida como independente pelo governo russo, Mariupol tem atualmente cerca de 100 mil civis a tentar escapar à guerra. Muitos nem tentam fugir, com medo de ser apanhados pela morte.
Cadáveres na rua
Yevheniia Kudria, de 24 anos, conseguiu sair de Mariupol há dias. A mãe, aterrorizada, não quis sair da cidade. "Ela disse-me que cheira a cadáver e a queimado no ar", revelou a filha à imprensa britânica. Há corpos enterrados ao lado de parques infantis, alguns sinalizados com a cruz de Cristo. Outros cadáveres permanecem mutilados nas ruas à vista de todos.
"Tenho a certeza de que irei morrer brevemente. É uma questão de dias. Nesta cidade, toda a gente está constantemente à espera da morte. Eu só desejava que não fosse tão assustador", escreveu Nadiia Sukhorukova, jornalista de 51 anos, numa espécie de diário citado pelo jornal inglês "The Guardian". A ucraniana já conseguiu fugir.
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A cidade tem sido bombardeada sem contemplações pelas tropas russas há duas semanas, o que levou à destruição de reservatórios de água e de postos de eletricidade. A ajuda humanitária não chega. Relatos de habitantes de Mariupol revelam que há ucranianos a ser transportados em autocarros para partes remotas da Rússia. Uma situação que já tinha sido denunciada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia.
Quem ainda permanece na zona portuária procura alimentos nas casas destruídas pelos bombardeamentos, bebe água de poças e hidrata-se com água suja recolhida por voluntários.
Os corredores humanitários não têm funcionado com sucesso. Emmanuel Macron, presidente de França, anunciou na sexta-feira uma operação humanitária, com a Grécia e Turquia, para retirar todos os que querem sair de Mariupol e que acontecerá nos próximos dias.
O governo russo fez um ultimato no início da semana: Mariupol tem de se render. Zelensky não acedeu. Estimam-se mais de mil mortos na cidade, 300 deles num teatro onde existia um abrigo. "Deus deixou Mariupol", diz Nadiia.