O quarto e último discurso do mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia ficou hoje marcado pelo relato das apostas verdes, digitais e geopolíticas, mas também pelo foco numa União Europeia (UE) reformada e alargada.
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Numa altura em que a economia europeia regista um crescimento mais brando, em que há receios de ressurgimento de surtos de covid-19 e em que a Rússia continua a sua agressão militar contra a Ucrânia, Ursula von der Leyen fez no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, um balanço do seu mandato, iniciado em 2019, e elencou as principais prioridades da UE até às eleições europeias de junho de 2024.
Eis as principais mensagens da líder do executivo comunitário e algumas reações:
Apelo ao voto nas eleições europeias
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, instou hoje ao voto nas eleições europeias, a menos de um ano, para se decidir "o tipo de Europa" que se quer, garantindo ter cumprido 90% das suas promessas.
"Dentro de pouco menos de 300 dias, os europeus irão às urnas na nossa democracia única e notável. Como em qualquer eleição, será um momento para as pessoas refletirem sobre o estado da nossa União e o trabalho realizado por aqueles que as representam, mas será também um momento para decidirem que tipo de futuro e que tipo de Europa desejam", declarou.
Reformar para alargar
A líder da Comissão Europeia defendeu hoje que a UE deve preparar-se rapidamente para um alargamento, sem esperar pela alteração dos tratados, anunciando a criação de relatórios sobre o Estado de Direito nos países candidatos.
"É possível obter mais rapidamente uma União adequada para o alargamento", disse Ursula von der Leyen no discurso anual sobre o Estado da União.
Apoio à Ucrânia o tempo que for necessário com renovada proteção
A Comissão Europeia vai prolongar a proteção temporária de pessoas deslocadas pela guerra na Ucrânia causada pela invasão russa, adotada em março de 2022, anunciou hoje Ursula von der Leyen, garantindo apoio a Kiev "o tempo que for necessário".
"Estaremos ao lado da Ucrânia a cada passo do caminho e durante o tempo que for necessário [...]. O nosso apoio à Ucrânia manter-se-á", prometeu.
Olhar sobre África e gestão equilibrada das migrações
A presidente da Comissão Europeia anunciou hoje uma estratégia para aproximar a UE de África e defendeu que a União tem de demonstrar a mesma unidade para combater a instabilidade geopolítica naquele continente que demonstrou com a Ucrânia.
Dando o exemplo da região africana do Sahel, que é hoje um dos pontos geopoliticamente mais instáveis do planeta e um dos que tem maior crescimento demográfico, Von der Leyen defendeu uma gestão das migrações baseada num "novo equilíbrio entre a soberania e a solidariedade, entre proteger as fronteiras e proteger pessoas, entre a segurança e a humanidade".
Esforços europeus e mundiais contra o tráfico de pessoas
A Comissão Europeia vai organizar uma conferência internacional para combater o tráfico humano, anunciou hoje a presidente do 'braço' executivo da UE, Ursula von der Leyen, insistindo na necessidade de acabar com "esta praga".
"Precisamos de trabalhar com os nossos parceiros para enfrentar esta praga do tráfico humano. Por isso, a Comissão vai organizar uma conferência internacional para combater o tráfico de pessoas", afirmou a responsável.
Combate à inflação e aposta na competitividade europeia
A presidente da Comissão Europeia admitiu hoje que a elevada inflação na UE é um "grande desafio económico", que "levará algum tempo" a resolver, e anunciou um relatório sobre a competitividade europeia, realizado pelo ex-primeiro-ministro italiano Mario Draghi.
"Outro grande desafio económico é a persistência de uma inflação elevada. Christine Lagarde [presidente] e o Banco Central Europeu [BCE] estão a trabalhar arduamente para manter a inflação sob controlo, [mas] sabemos que o regresso ao objetivo de médio prazo do BCE levará algum tempo", disse a responsável.
Investigação às subvenções chinesas e relações francas com China
A presidente da Comissão Europeia anunciou hoje a abertura de uma investigação contra subvenções para automóveis elétricos provenientes da China, quando a UE é "inundada" por estes veículos, "que são mais baratos" devido aos "avultados subsídios estatais".
A responsável defendeu, ainda assim, "linhas abertas de comunicação e diálogo com a China", por existirem matérias em que Bruxelas e Pequim "podem e devem cooperar".
Regulação da Inteligência Artificial e iniciativa para supercomputação
A líder do executivo comunitário apelou hoje aos Estados-membros da UE e ao Parlamento Europeu para aprovarem rapidamente a nova lei da Inteligência Artificial (IA), anunciando ainda uma iniciativa europeia para supercomputadores.
"Apresentámos a lei da IA - a primeira lei abrangente do mundo a favor da inovação no domínio da IA - e quero agradecer a esta assembleia e ao Conselho pelo trabalho incansável nesta lei inovadora. A nossa lei da IA é já um modelo para todo o mundo, [mas] temos agora de nos concentrar em adotar as regras o mais rapidamente possível e passar à sua aplicação", exortou.
Apelos à aprovação do orçamento comunitário e ao acordo com Mercosul
A presidente da Comissão Europeia pediu hoje um "rápido acordo" sobre o orçamento da UE a longo prazo, afirmando ainda esperar um protocolo comercial com os países do Mercosul (Mercado Comum do Sul) até final do ano.
"As empresas europeias precisam de ter acesso a tecnologias-chave para inovar, desenvolver e produzir, (...) é um imperativo económico e de segurança nacional preservar uma vantagem europeia em tecnologias críticas e emergentes, [mas] esta política industrial europeia exige também um financiamento europeu comum", disse Ursula von der Leyen.
Pacote para indústria limpa com fontes renováveis
A Comissão Europeia vai apresentar um pacote legislativo sobre energia eólica para, num trabalho em colaboração com a indústria e os Estados-membros, ter cada vez mais indústrias limpas, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu.
No discurso, perante o Parlamento Europeu, a presidente do executivo comunitário salientou que Bruxelas vai concentrar-se "nas competências, no acesso ao financiamento e em cadeias de abastecimento estáveis", razão pela qual avança com "um pacote europeu para a energia eólica, trabalhando em estreita colaboração com a indústria e os Estados-membros".
Proteção da biodiversidade perante alterações climáticas
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou hoje para a necessidade de proteger a diversidade biológica única da UE como os sobreiros do sul da Europa, e para a "realidade de um planeta em ebulição".
"Desde as poderosas florestas de coníferas do norte e do leste, passando pelos últimos vestígios de florestas virgens de carvalhos e faias na Europa central, até aos montados de sobro do sul da Europa: todas estas florestas são uma fonte insubstituível de bens e serviços", e mostram que a biodiversidade necessita de ser protegida, referiu Von der Leyen.
UE mais social e com mercado de trabalho qualificado
A Cimeira de Parceiros Sociais vai voltar no próximo ano, durante a presidência belga do Conselho da UE, para fortalecer o mercado do trabalho europeu e adaptá-lo ao futuro, revelou hoje a presidente da Comissão Europeia.
"Precisamos de melhorar o acesso ao mercado de trabalho, ainda mais para os jovens e para as mulheres. Precisamos de migração qualificada e, além disso, precisamos de responder às mudanças profundamente enraizadas na tecnologia, sociedade e demografia", considerou Ursula von der Leyen.
Reações das bancadas políticas europeias e de responsáveis da UE
Líderes de grupos políticos do Parlamento Europeu destacaram hoje temas como as políticas económica, social, migratória ou ambiental no discurso do Estado da União de Ursula von der Leyen, para elogiar ou contestar, conforme as opções políticas.
A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, referiu, por seu lado, que a investigação às subvenções de automóveis elétricos da China foi um "jogada extremamente corajosa e audaz", mas necessária, e defendeu que Pequim não pode estar totalmente surpreendida com a decisão.
Já a comissária europeia para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, argumentou que o discurso de hoje sobre o Estado da União de Ursula von der Leyen é um apelo à reconstrução da Europa e à recuperação do seu potencial.
Reações dos eurodeputados portugueses
O eurodeputado socialista Pedro Marques considerou hoje que no discurso da presidente da Comissão sobre o Estado da União faltou uma preocupação para com as pessoas que sofrem com o aumento do custo de vida.
Já o social-democrata Paulo Rangel considerou que Von der Leyen demonstrou que sabe o que é necessário "corrigir no caminho europeu" e que há um "sinal claro" da vontade da política alemã de continuar em funções.
Por seu turno, o parlamentar bloquista José Gusmão considerou que a líder do executivo comunitário reconheceu que a política monetária está a falhar e que ignorou os problemas que as famílias estão a viver com o aumento do custo de vida.
O eurodeputado do CDS-PP Nuno Melo realçou a importância de a presidente da Comissão Europeia estar preocupada com as PME (pequenas e médias empresas) e que Portugal vai beneficiar da desburocratização de processos.
Pelo PCP, o eleito João Pimenta Lopes defendeu que o discurso da presidente da Comissão sobre o Estado da União foi "completamente alheio" às dificuldades das pessoas em todos os países da UE.
Discurso sobre o Estado da União realiza-se há 13 anos
O discurso sobre o Estado da União marca a cada ano, em setembro, o início oficial do novo ano legislativo e ocorre na sessão plenária do Parlamento Europeu, na cidade francesa de Estrasburgo.
Realiza-se desde 2010, quando o então líder do executivo comunitário Durão Barroso interveio um ano depois da sua reeleição.
Este discurso foi instituído pelo Tratado de Lisboa e consiste num balanço sobre a ação do executivo comunitário e na apresentação das principais apostas europeias para o ano seguinte.