A Turquia rural e conservadora está cada vez mais distante da Turquia das grandes cidades e da costa do Egeu, que se mantém moderna e secular.
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Em Izmir, terceira cidade da Turquia, o ambiente pós-eleitoral era um misto de resignação e incompreensão. O local que serve historicamente de bastião às liberdades civis turcas voltou a votar contra Erdogan, mas não foi acompanhado pela maioria dos habitantes do país. Estes voltaram a dar maioria parlamentar ao AKP e a colocar o presidente Erdogan na frente de umas presidenciais que têm a segunda volta no dia 28 de maio.
Um elemento local da campanha de Kiliçdaroglu, que pediu para não ser identificado "nem sequer pelo primeiro nome", não entende como é que o povo continua a apoiar um presidente que "quase destruiu a economia turca e arruinou a tradição democrática do país." Na frase seguinte, em jeito de explicação, lá avança que "o ambiente condicionado funciona mesmo". Ao tornar Erdogan omnipresente, torna-se muito mais difícil fazer passar a mensagem da oposição. Isso ainda ocorreu nas grandes cidades, que votaram maioritariamente contra o presidente, mas não nas vastas zonas rurais, onde ainda vive a grande maioria da população turca.
A oposição entre o medo e a fratura
E, explica, tem razões para não querer ser identificado: a esperada derrota de Kiliçdaroglu na segunda volta irá aumentar o ambiente repressivo e os elementos mais ativos da oposição podem esperar o desprezo ou, pior, a cadeia. Como exemplo, recorda que "foi isso que aconteceu ao homem que ganhou a presidência da Câmara de Istambul". Ekrem İmamoğlu era o candidato que se esperava poder servir como opositor de Erdogan nestas eleições. Mas a sua popularidade teve um preço: um processo em tribunal que promete colocá-lo na cadeia e, enquanto aguarda pelo recurso, o impediu de ser candidato a presidente.
Mesmo tendo ainda duas semanas para tentar virar a situação, é claro para os apoiantes de Kiliçdaroglu que a mensagem não passou e que o tom conciliador tem um alcance limitado. Agora o risco é aumentar a dramatização e o tom nacionalista, correndo o risco de perder alguns eleitores moderados. A coligação de seis partidos que o apoia começou a mostrar as primeiras fragilidades no domingo à noite e será preciso manter a cabeça muito fria para garantir que não há ruturas nas próximas duas semanas.
Os refugiados na berlinda
Um tema chave será a questão dos refugiados, por causa do terceiro candidato destas presidenciais, o ultra-nacionalista Ogan, que ganhou mais de 5% dos votos com base num discurso xenófobo. Quem quiser ficar com alguma fatia deste eleitorado deverá endurecer o discurso contra os refugiados, que já é um tema quente da campanha: Recep Erdogan acordou com a União Europeia receber vários milhões de refugiados, mas agora está a intervir de forma decisiva na vida política síria de forma a tentar garantir o repatriamento da maioria; o próprio Kiliçdaroglu já disse que quer fechar a porta e repatriar muitos dos que estão hoje na Turquia, mas a situação não é assim tão simples.
A Professora Esra Ozyurek, diretora do departamento interreligioso da Universidade de Cambridge e renomeada investigadora das comunidades turcas migrantes, explica que o tema se tornou determinante na campanha "devido ao agravar da situação económica" provocada pelas políticas de Erdogan, mas não será assim tão fácil removê-los da Turquia: por um lado "porque a economia turca já depende deles e por outro porque a situação nos seus países de origem continua difícil." Mas estas nuances de realidade não impedem que o tema seja facilmente manipulado pelos candidatos.
E do outro lado está o todo poderoso presidente Erdogan, que domina toda a vida política turca com um cunho nacionalista conhecido desde há vinte anos - e que não quererá deixar escapar a vitória numa corrida que, por enquanto, lidera.