Embora a investigação permaneça aberta, o "Massacre dos Alpes" ou "Mistério de Chevaline" não está mais perto de ser desvendado dez anos depois. A filha mais velha da família assassinada, sobrevivente e agora com 17 anos, recordou recentemente a figura de "um homem vestido de couro com mãos brancas".
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O caso enigmático já deu muitas voltas. No auge da investigação, mais de 50 pistas foram exploradas, em França e não só, e centenas de testemunhas foram ouvidas. Agora, dez anos depois, três gendarmes (membros da polícia militar francesa) trabalham, há vários meses, exclusivamente no arquivo deste caso, que está em vias de ser transferido para um centro de casos arquivados de Nanterre, com mais recursos. Um "profiler" britânico estabeleceu, também recentemente, um novo perfil do assassino: um homem local, solitário, desempregado, fanático por armas ou ex-soldado, tendo cometido os atos possivelmente por um motivo racista e com um historial psiquiátrico.
No dia 5 de setembro de 2012, as férias de uma família britânica nos Alpes franceses, em Chevaline e perto do lago de Annecy, acabaram em tragédia. Saad al-Hilli, britânico de origem iraquiana com 50 anos, a mulher Iqbal, de 47, e a sogra Suhaila al-Allaf, de 74, foram encontrados mortos a tiro, cada um com duas balas na cabeça, dentro de um carro num parque de estacionamento florestal isolado. As duas filhas do casal, com quatro e sete anos na altura, sobreviveram ao ataque. A mais nova foi encontrada ilesa, escondida debaixo do corpo da mãe durante oito horas, e a mais velha foi atingida no ombro e esteve em estado grave, num coma induzido de três dias.
O massacre fez ainda uma quarta vítima mortal: Sylvain Mollier, um ciclista francês que estaria de passagem. A grande questão permanece qual seria o alvo principal do ataque: se Saad al-Hilli e a família, ou o ciclista. As autoridades francesas chegaram a considerar que o ciclista poderia ser o verdadeiro alvo, e não um dano colateral por ter presenciado o assassinato da família. Sylvain Mollier, que trabalhava na indústria nuclear, foi alvejado cinco vezes, duas delas na cabeça. No local do crime, a polícia encontrou 25 balas. Colocava-se a hipótese de ter "uma vida dupla".
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Na possibilidade de a família ser o alvo, a polícia perseguia três linhas de investigação: a origem iraquiana da família a viver nos arredores de Londres, uma disputa entre Saad al-Hilli e o irmão e, por último, ligações ao trabalho na indústria aeronáutica do pai das crianças feridas. Saad al-Hilli trabalhava para uma sociedade britânica de satélites, filial da Astrium, que tinha como clientes a Agência Espacial Europeia (ESA) e a NASA norte-americana.
Foi Brett Martin, ciclista e antigo piloto da Força Aérea britânica, quem descobriu o massacre. Na altura, contou à "BBC" que teve de tomar a decisão difícil de deixar as menores sozinhas enquanto foi procurar ajuda. Contudo, disse que colocou Zainab al-Hilli, de sete anos, numa posição que acabou por lhe salvar a vida. Quando olhou para o interior do carro (cujo motor ainda estava ligado e os pneus a girar) percebeu que tinha havido um crime e receou que o atirador ainda estivesse por perto, temendo pela própria vida. Brett Martin ainda é considerada uma pessoa de interesse no caso.
Depois de recuperada, a filha mais velha chegou a testemunhar. Viu, apenas, "um homem mau". Este contributo para a investigação foi suficiente para invalidar a teoria da polícia de que poderia haver mais do que um atirador (baseada nos 25 invólucros encontrados no local). Os resultados balísticos viriam, também, a confirmar que foi usada apenas uma arma, uma pistola de calibre 7,65 milímetros. A criança mais nova disse à polícia que não conhecia a vítima idosa que estava com eles no carro. Segundo explicou na altura o procurador francês, a criança teria pouco contacto com a avó materna, que residia na Suécia.
Desavença familiar
As autoridades britânicas ouviram o testemunho, durante três dias consecutivos, do irmão do pai da família assassinada, um engenheiro de origem iraquiana residente em Claygate. Zaid al-Hilli apresentou-se voluntariamente à polícia. O procurador francês, Eric Maillaud, já tinha adiantado que "os motivos do crime" estariam no Reino Unido, onde a família vivia.
Zaid al-Hilli tornou-se suspeito na investigação devido a um conflito familiar com Saad al-Hilli, que envolvia "dinheiro ou herança". O irmão, porém, negou tal desavença e assegurou "entender-se bem" com a vítima. A 24 de junho de 2013, a polícia britânica anunciou a detenção de um homem de 54 anos no âmbito da investigação ao quadruplo homicídio, sem precisar oficialmente a identidade do suspeito por "conspiração para cometer crime" - que se sabia ser Zaid. O irmão de Saad foi libertado provisoriamente no dia seguinte, tendo ficado sujeito a medidas de coação.
Quase um ano depois, em janeiro de 2014, as autoridades cederam. Não haveria "provas suficientes" para acusar o suspeito e, portanto, não seriam realizadas quaisquer ações suplementares. "Este inquérito continua a ser realizado pelos franceses e as polícias de Surrey e Sussex (sul de Londres) vão continuar a trabalhar estreitamente com as autoridades francesas", precisou a polícia na altura, acrescentando que realizaram "inquéritos exaustivos no Reino Unido".
Numa entrevista ao tabloide britânico "The Sun", Zaid al-Hilli, agora com 63 anos, disse que as autoridades francesas trataram o caso com "extrema incompetência" e acusou-as de racismo devido à origem iraquiana da família. "Estamos à espera há dez anos, mas a operação policial em curso pode continuar por mais 100 anos e não conseguir resultados", criticou, acrescentando que não tem certeza de ter havido alguma vez "uma verdadeira investigação". Zaid mantém contacto com as sobrinhas, que "têm uma vida normal".
O "motociclista misterioso"
Um grande suspeito, procurado durante meses, foi o "motociclista misterioso". O homem, na casa dos 50 anos, teria sido visto por testemunhas (entre elas Brett Martin) perto do local do crime. Identificado como um empresário da região de Lyon, de boa reputação e sem antecedentes criminais, o motociclista sempre afirmou não ter visto nada e não se lembrar de nada. Voltava de uma viagem de asa delta na região e percorria pequenas estradas para apreciar a paisagem antes de regressar a casa. Primeiro era considerado testemunha, e depois suspeito.
Após uma reconstrução do crime, com o objetivo de confirmar quem poderia ter estado no local à hora do assassinato, o motociclista foi novamente detido em janeiro deste ano. Foi interrogado e, tão depressa como foi detido, foi novamente libertado e excluído da investigação.