João Moreira não esperava início da guerra, não conseguiu fugir e refugiou-se num abrigo. Telefonema da mãe levou-o até solo nacional
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João Moreira, 26 anos, e Beatriz Barata, 22, vão passar noite desta sexta-feira na Embaixada Portuguesa de Kiev. Serão as únicas pessoas a permanecer no edifício e só às primeiras horas da manhã terão a companhia dos funcionários diplomáticos e de outros cidadãos nacionais para apanhar o autocarro que os levará até à Roménia. Nessa altura, ficarão para trás horas de incerteza provocadas por uma guerra que não esperavam.
João saiu de Recarei, em Paredes, no dia 6 deste mês. Partiu com a intenção de cumprir um estágio de dois meses na Ucrânia, promovido pela AISEC, plataforma internacional criada para desenvolver competências de liderança em jovens estudantes. Contudo, contra todas as suas expectativas, teve de fugir.
"Ninguém acreditava que Kiev fosse atacada, mas nesta manhã acordei com os telefones dos colegas a tocar e logo percebi que havia problemas", conta.
Ao JN, o economista acrescenta que, pelas 9 horas, recebeu um email da Embaixada Portuguesa a dar-lhe conta de dois locais de concentração a partir dos quais será efetuada, nesta sexta-feira, a retirada dos portugueses. O mais próximo ficava a cerca de 400 quilómetros do local onde estava, mas mesmo assim tentou comprar bilhete de autocarro. Não conseguiu.
"Fui ao encontro de um amigo ucraniano, que me levou até a um abrigo. Estavam lá mais de 200 pessoas e era ali que iria ficar", admite. Um telefonema da mãe, a informá-lo que o Governo estava a retirar portugueses a partir da embaixada, fê-lo mudar de ideias. "Atravessei a cidade. Primeiro, andei 40 minutos a pé, depois apanhei o metro até ao centro e ainda fiz mais 20 minutos a pé", descreve.
Retirados esta sexta-feira
Eram 16 horas quando bateu à porta do edifício com a bandeira nacional e foi recebido por três funcionários diplomáticos. "Disseram-me que estava prevista a saída de um autocarro, só para portugueses e alguns diplomatas de outros países, para as 7 horas do dia seguinte e deixaram-me ficar", declara.
Quando falava com o JN, pelas 19 horas, João tinha apenas a companhia de Beatriz Barata, jovem que também chegou à Ucrânia através da AISEC. "Os funcionários foram embora ao final do dia, mas temos todas as condições. Não falta comida e água", garantia João Moreira.
Filas para água, combustível e dinheiro
Tal como muitos ucranianos, o jovem português não antecipou o ataque russo. Todavia, o cenário que observou enquanto percorria Kiev em direção à Embaixada Portuguesa fê-lo ter a perfeita consciência que estava no meio de uma guerra. "Vi muitas filas de pessoas à procura de se abastecer de água. Também havia filas nos postos de gasolina e nos multibancos. E encontrei muitos civis armados", recorda.
No centro da capital ucraniana o panorama era diferente, mais marcado pelo medo. "Havia muito menos gente nas ruas do que num dia normal. O metro estava praticamente vazio", refere. E mesmo protegido pelas paredes da embaixada, João continuou a receber sinais de um conflito armado que, defende, está cada vez mais próximo das principais avenidas de Kiev. "Ouvimos explosões e muitos aviões de guerra a passar. Os combates estão a acontecer a poucos quilómetros", conclui.