O estado do Arizona, nos EUA, bate recordes nacionais de criminalidade juvenil. Houve um aumento de 350% nos jovens acusados de homicídio em primeiro grau e a agressão agravada com menores aumentou mais de 100%. A reportagem JN/TSF, em Phoenix, ouviu especialistas: "Não é só cá, está em todo o lado, é um terror”!
Corpo do artigo
Os adolescentes do Arizona, onde os candidatos à Casa Branca estiveram quinta-feira à noite, estão a cometer crimes violentos a um ritmo explosivo. O suicídio juvenil está em alta e as doenças de foro mental acompanham a tendência. Os números que alarmaram as autoridades do potencialmente decisivo estado do Arizona são preocupantes, bem acima da média nacional da criminalidade juvenil e não incluem os crimes imputados a membros dos Goons, um gang de jovens adolescentes de um bairro de classe alta, que tem protagonizado crimes que encheram páginas de jornais, como o que vitimou há um ano o jovem Preston Lord. Esta semana foi marcada por uma vigília em memória do jovem.
Katey McPherson, antiga professora e agora consultora na área da educação, fala com a TSF acabada de chegar de uma conferência sobre o tema que foi dar a Atlanta, na Geórgia. Mãe de quatro adolescentes, assume que saiu das escolas em 2016 porque começou "a ver essa escalada de problemas de saúde mental que está ligada à violência”. Preferiu ajudar alertando publicamente porque sentia que, no sistema de ensino, não lhe davam ouvidos. Tem passado o tempo a dizer: “os nossos rapazes não estão bem, os nossos rapazes não estão bem”. E explica: “acontece em todas as frentes: o suicídio, o abuso de substâncias, a violência, tem vindo a ser seguida há muito tempo, mas comecei a vê-lo nas escolas já em 2016. E depois, sabe, tivemos um enorme contágio de suicídio de jovens por aqui, principalmente rapazes”. A consultora não tem dúvidas: “nunca se viu nada assim: em escala, em severidade, em letalidade”. É uma outra América em carne viva.
A psicóloga Paula McCall, uma autoridade na região sobre causas e motivações para este pico de violência entre os jovens, recebe a reportagem JN/TSF no seu consultório, uma casa térrea de cor marron, na cidade de Chandler, nos subúrbios de Phoenix: “Existem vários fatores. Um deles é o facto de tendermos a estar mais isolados do que estivemos no passado. Tivemos um curto período de tempo em que os números foram mais baixos nos primeiros meses da pandemia e, depois, à medida que esta se prolongou, houve um grande impacto nos nossos jovens sobre as suas vidas e sobre as suas trajetórias, sobre os seus caminhos e sobre o seu sentido de ligação. Mas também vemos, por exemplo, que não podemos culpar a pandemia, que pode ter exacerbado algumas situações subjacentes, pois temos visto estas taxas a subir nos últimos 10-15-20 anos. Por isso, estas taxas têm sido objeto de uma análise social. E não é apenas para os nossos jovens, estamos a ver mais agressão, mais depressão, mais suicídio em todas as idades.
Mas o problema é por demais evidente nas faixas etárias mais jovens: “entre 2016 e agora, provavelmente perdemos 75 meninos só na minha cidade, principalmente famílias caucasianas, ricas e com bons recursos, por suicídio. Então, a violência que vimos recentemente aqui no condado de Maricopa, na zona oeste da cidade de Phoenix” já não surpreende, pois “geralmente há mais pobreza". "Há mais famílias desestruturadas, mais casas unifamiliares, mais pobreza. Mas, sabe, está a aumentar aqui nas áreas ricas agora também”, afirma McPherson.
Preston Lord, caucasiano, foi espancado até à morte por um grupo de jovens também brancos de um bairro rico da região, os Gilbert Goons. Descobriu-se, descobriu Katey Mcpherson, que as ameaças tinham começado cerca de dois anos antes. Na escola. Foi morto a 28 de outubro de 2023, em Queen Creek. O julgamento dos sete suspeitos de homicídio decorre desde agosto. Do lado de fora do tribunal, familiares e amigos de Lord, rapaz pacato, estavam vestidos de laranja, a cor favorita do jovem. “Queremos ter certeza de que eles sabem que não vamos desistir e que isso não será varrido para debaixo do tapete”, disse uma amiga e apoiante da família, identificada pela FOX10 Phoenix apenas como Lisa. “O ataque a Preston foi deliberado”, disse na altura a madrasta de Preston, Melissa Ciconte. “Não foram apenas algumas crianças a dar socos, foi um ataque deliberado contra ele que tirou a sua vida, e eles, os sete acusados, deveriam ser responsabilizados pela sua sua morte.”
A atenção mediática
Maricopa, condado onde se situa Phoenix, teve um aumento de 356% na violência adolescente nos últimos dois anos. McPherson reconhece que “o lado oeste de Phoenix – o chamado West Valley - sempre foi um lugar muito difícil para se viver. Mas o lado leste de Phoenix é bonito e rico, e, no entanto, estamos a ver os mesmos comportamentos: armas, agressões agravadas, vandalismo flagrante”. Afirma a ex-professora: “os pais dos adolescentes que maltrataram Preston também têm problemas significativos de saúde mental, alcoolismo, violência doméstica, depressão e ansiedade. Quer dizer, não importa quanto dinheiro você tenha, esses problemas estão lá”. Os Goons, gangue de adolescentes, quando acabaram por matar Preston Lord, já “espancavam crianças com socos e armas há dois anos”.
McCall entende que “vivemos uma epidemia de solidão e de hostilidade”. E, no quadro de uma violência crescente, há segmentos que se tornam alvos específicos: “vemos recordes absolutos de violência sexual contra as raparigas”. Ao que não ajudará o discurso paternalista e machista do candidato Donald Trump quando afirma: “vou proteger as mulheres, quer elas gostem, quer não”.
O papel das redes sociais
Há ou não um papel casual das redes sociais, ou será que, por outro lado, elas são um reflexo dessa realidade? A psicóloga hesita em apontar uma causa principal: “penso que vemos uma correlação entre o momento em que as coisas começaram a aumentar, especialmente no que se refere ao suicídio e à saúde mental, e o momento em que os telemóveis se tornaram dispositivos, começaram a ter aplicações, em que começaram a ter jogos, em que se tornaram um minicomputador nas nossas mãos. Vemos, portanto, uma correlação social, mas não gosto de culpar ou dizer que foi apenas a tecnologia, ou apenas as aplicações, ou apenas as redes sociais. Vemos tantas coisas que estavam a acontecer ao mesmo tempo! E o tanto que mudaram a nossa sociedade”.
Para Katey, “é uma rua de dois sentidos". "Penso que eles aprenderam a ser violentos através das redes sociais e depois usam-nas como um acelerador da sua violência, ou seja, todos estes ataques que têm acontecido, eles gravaram-nos e enviaram-nos para as redes sociais para obterem gostos e cliques e validação e reforço da sua violência, mas aprenderam a ser violentos vendo o Twitter e o Tiktok e a violência que é permitida. Quero dizer, os rapazes que magoaram o Preston, nas mensagens de texto e no Snapchat, falaram de o atacar durante dois anos antes da sua morte. Os rapazes diziam: ‘Vamos acabar com ele, como no filme X’. Portanto, estão a imitar o que veem nesses filmes e na Internet, como miúdos brancos e ricos que tentam ser gangsters. Se não tivessem público a assistir teria sido aborrecido, mas foi emocionante para eles porque tinham muitas pessoas a filmar e a reforçarem, como ‘Bom trabalho, bom trabalho’.
McPehrson põe o dedo na ferida. “A polícia não fez nada. Parte do meu papel nesta história tem sido ensinar a polícia a usar as redes sociais. Quando tudo isto aconteceu, nos últimos anos, demorei apenas cerca de uma hora a descobrir quem eram os miúdos que magoaram o Preston. Fui ao TikTok de um rapaz. Olhei para os seus seguidores. Fui a esse miúdo, a outro miúdo, a mais outro. Todos tinham os mesmos vídeos. Tinham vídeos deles próprios nas traseiras dos carros da polícia a serem presos por pequenos crimes. Por isso, quando a polícia disse que não conhecia estes miúdos, é mentira”.
Será um problema exclusivo do Arizona?
A resposta de Katey não deixa margem para dúvidas: “Não! Está em todo o lado. Está em todo o lado. É aterrador. Quer dizer, eu sou mãe de quatro adolescentes. É aterrador ver isso. A escalada, a agressão, está a acontecer em todo o lado. As escolas estão a falar sobre isso. Toda a gente está a levantar as mãos e a dizer, 'bem, não sei o que fazer em relação a isso', ninguém está realmente a juntar-se para uma solução coletiva”.
Katey McPherson entende que a América “é muito reativa, não é proativa. Por isso, há pelo menos 20 anos que eu andava a dar o alarme sobre os rapazes: os nossos rapazes não estão bem. Os nossos rapazes não estão bem. Temos o abuso de substâncias, temos o suicídio, temos as armas, temos a agressão. Temos de nos chegar à frente sobre isto. E voilà, aqui estamos nós. Na nossa cidade acho que pensavam que eu era uma alarmista. E depois o presidente da câmara veio ter comigo e disse: ‘devia ter-te dado ouvidos’. E eu disse: “Sim, devia".
Paula McCall aponta caminhos. “Temos de olhar para o nosso nível familiar e ver o que podemos fazer para causar impacto e fazer a diferença dentro do círculo sobre o qual temos controlo, sobre o qual temos poder. E podemos fazer isso a um nível muito proactivo. Além disso, hoje deveríamos ir para casa e perguntar aos nossos filhos: como se sentem? Como foi o vosso dia? Deveríamos partilhar com eles. É assim que me sinto hoje. Foi assim que foi o meu dia. E não abordar as coisas com um sentido de julgamento, mas, novamente, só querer entender. Quero saber como estás, quero abrir esse diálogo”.
América em carne viva: as eleições, e depois?
“Sinto muita preocupação”, admite a psicóloga de Chandler, nos arredores de Phoenix. E explica: “não tanto no resultado da decisão, que seja lá o que for, quem acaba por ser eleito, vai ser o que é, e essa pessoa terá a oportunidade de falar e avançar na linha que pretende seguir. Estou mais preocupada com a reação que as pessoas terão se as coisas não forem do jeito que elas querem”. Procura alimentar-se de um espírito positivo, mas admite a dificuldade, tendo em conta o ambiente de crispação mútua criado, mesmo dentro do espaço familiar e dos círculos de amigos. “Podemos ser uma sociedade bastante decente, mas há momentos extremos e sentimentos extremos, e estamos num daqueles momentos em que estou, de facto, preocupada com o que essa reação possa ser em ambos os lados. Portanto, não sei realmente o que esperar na próxima terça-feira”.