Declarações de Bolsonaro sobre menores têm sido usadas pelos lulistas para atacar rival. Tribunal teve de intervir.
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"Pintou um clima", contou Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, durante uma entrevista, referindo-se ao momento em que se deparou, na rua, com um grupo de menores venezuelanas, enquanto passeava em Brasília. A expressão, associada a um interesse sexual, foi de imediato captada pela campanha de Lula da Silva para acusar o adversário de pedofilia. Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter proibido o candidato do PT de usar vídeos para associar o atual líder a este crime, os lulistas têm uma estratégia para não deixar o assunto morrer.
Na entrevista, emitida na semana passada, o presidente em exercício disse ainda: "Umas meninas bonitas, de 14 ou 15 anos, vestidas de sábado. Para quê? Para ganhar a vida". Rapidamente, as declarações começaram a disseminar-se na internet e a campanha de Lula da Silva não perdeu a oportunidade de atacar o rival.
Alegando que as palavras foram distorcidas e "tiradas do contexto", o candidato do PL explicou que o intuito do discurso visava apenas expressar "preocupação" e "evitar qualquer tipo de exploração de mulheres vulneráveis", apelando ao Tribunal que agisse, travando a propaganda política que vincula a figura do presidente ao crime de pedofilia, que consta na Lei dos Crimes Hediondos.
Alexandre de Moraes, juiz do TSE, atendeu ao pedido por considerar que "o contexto evidencia a divulgação de factos descontextualizados", obrigando Lula da Silva a retirar das redes sociais qualquer informação que remeta para as acusações, sob pena de ser multado em 100 mil reais (cerca de 20 mil euros) por dia.
O caso, sublinha a imprensa brasileira, marcou a primeira vez em que os apoiantes de Lula conseguiram atingir a imagem de Bolsonaro entre o eleitorado mais fiel, o conservador.
Estratégia lulista
Apesar da ordenação da justiça brasileira, os lulistas mantêm uma estratégia para relacionar o presidente a crimes sexuais que envolvam menores, na tentativa de o descredibilizar e conquistar votos que conduzam o político de Esquerda a uma vitória em larga escala.
O próprio candidato, dois dias após a decisão do TSE, voltou a tocar no assunto. "O comportamento dele [Bolsonaro] no caso das meninas da Venezuela é o comportamento de um pedófilo", referiu o ex-presidente em conversa no podcast "Flow", acrescentando que o rival se dirigiu às meninas "com segundas intenções".
Felipe Neto, um dos youtubers mais famosos do Brasil, contando com cerca de 15 milhões de seguidores no Twitter, tem sido uma das figuras públicas do país que mais têm usado a rede social para apoiar fervorosamente Lula, contribuindo para a estratégia de perpetuar a recente entrevista do atual chefe do Estado.
O ídolo brasileiro fez circular um vídeo em que Bolsonaro elogia o ex-presidente paraguaio Alfredo Stroessner - que, enquanto figura do poder, foi alvo de acusações de pedofilia - ao descrevê-lo como "um homem de visão". A publicação no Twitter, na qual Felipe Neto classifica o líder em exercício como admirador de "um dos maiores pedófilos da História", teve milhões de visualizações.
Como limpar a imagem
Dias depois, o influenciador digital, que é conhecido por produzir conteúdos para os mais jovens, mas que recentemente tem endereçado as publicações para quem é elegível para votar, partilhou mais um vídeo, no qual alega que o orçamento atribuído aos Serviços de Proteção Social Especial, que incluem o combate à pedofilia, foi, nos últimos quatro anos, "99% menor do que no tempo do PT". Felipe Neto deixou ainda um aviso: "Bolsonaro não liga para os seus filhos. A segurança deles está em risco".
Em contrapartida, a máquina política que ampara Bolsonaro tem movido esforços para limpar a imagem do presidente, tendo gasto, indica um relatório do sistema de Transparência de Anúncios Políticos do Google, cerca de 166 mil reais (cerca de 32 mil euros) em publicidade que contesta a sua ligação à pedofilia.
"Bolsonaro não é pedófilo. Não acredite nas mentiras inventadas", pode ler-se num dos anúncios partilhados em vários sites que apoiam a recandidatura do presidente ao Palácio do Planalto.
Desinformação
TSE amplia poderes para combater "fake news"
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou na quinta-feira uma resolução que pretende acelerar o processo de combate à desinformação. O TSE poderá analisar denúncias de "fake news" sem necessitar de uma ação do Ministério Público Eleitoral, o que agilizaria o processo de remoção de conteúdos pelas plataformas digitais. As redes sociais, em vez de 48 horas, agora terão duas horas após a decisão do Tribunal para apagarem os conteúdos falsos. No dia da eleição, o prazo será de uma hora. O TSE recebe cerca de 500 alertas sobre "fake news" por dia, segundo o portal G1. Também na quinta-feira o Tribunal confirmou a abertura de uma investigação sobre um suposto esquema de desinformação nas redes, após pedido da campanha de Lula da Silva. Carlos Bolsonaro, filho do presidente, tem o prazo de três dias para prestar esclarecimentos sobre o uso que faz das redes sociais. Jair Bolsonaro e outros perfis de apoiantes estão sob investigação. Os bolsonaristas estão impedidos de retirar lucro da publicidade online.
Outro caso
"É um canibal"
Recentemente, a campanha de Lula da Silva usou partes de uma entrevista de Bolsonaro, na qual o presidente disse que "comeria um índio", para o acusar de ser capaz de comer carne humana, chamando-lhe "canibal".
Tribunal proibiu
Neste caso, a justiça brasileira também teve de intervir, proibindo o ex-líder de vincular o rival ao canibalismo. Bolsonaro pode agora usar tempo de antena de Lula para se defender.