Ainda que não tenha conseguido ser eleito, Lula da Silva (PT) já fez História na política brasileira: é o candidato com melhor desempenho de sempre numa primeira volta, obtendo 48,4% dos votos, enquanto o principal adversário, Jair Bolsonaro (PL), reuniu 43,2%. Matematicamente, a segunda volta - que se realiza a 30 de outubro - é inevitável, e as próximas semanas podem ficar marcadas por um aumento das clivagens no seio da sociedade brasileira.
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Tal como lembrou no primeiro discurso após a divulgação dos resultados, o ex-presidente nunca venceu uma eleição na primeira volta e mantém a esperança de chegar ao Palácio do Planalto. "Vamos ganhar as eleições. Isto para nós é apenas uma prorrogação", frisou Lula da Silva, que, em relação a 2018, quando o candidato do PT era Fernando Haddad, conseguiu aumentar os votos do partido em mais de 25 milhões.
Se para o candidato de Esquerda as sondagens se mostraram uma deceção, já que as mais recentes lhe atribuíam uma vitória na primeira volta, para Jair Bolsonaro verificou-se o oposto. O atual líder conseguiu recolher cerca de 7 pontos percentuais a mais do que aquilo que as projeções antecipavam. "Vencemos a mentira", frisou.
Apesar de, em termos percentuais, Bolsonaro ter registado uma queda em relação a 2018, visto que há quatro anos obteve 46,08% dos votos, o presidente - que nunca ganhou nenhuma disputa eleitoral à primeira - teve mais 1,7 milhão de votos do que nas últimas eleições em que participou (49,3 milhões de votos), recolhendo agora 51 milhões.
Além de já serem observadas como as eleições que mais fragmentaram o Brasil, serão recordadas por outros marcos, uma vez que é a primeira vez que um chefe de Estado em exercício não passa à segunda volta em primeiro lugar, desde o fim da ditadura militar, em 1985.
Conquista de eleitores
"Isto é atípico", explica Ana Paula Costa, investigadora do IPRI, considerando que o presidente, por norma, "tem o Estado em suas mãos. Consegue mobilizar os recursos e tem nas suas mãos a máquina eleitoral, assim, tem capacidade para se organizar melhor".
Na perspetiva da politóloga, a "vontade de mudança por parte dos brasileiros" pode ter sido o principal impulsionador que terá impedido esta vantagem, tal como "alguma incompetência" por parte de Jair Bolsonaro na liderança dos últimos quatro anos.
Ainda assim, explica Ana Paula Costa, o facto de o Partido Liberal, a que o presidente se filiou para esta eleição, ter as maiores bancadas no Congresso e no Senado, também pode representar um estímulo para a campanha que se segue. "Esta já é a base do Bolsonaro, portanto é mais fácil para ele", ressalva.
O futuro joga-se agora no xadrez político, no qual cada um dos candidatos tem a missão de conquistar o eleitorado que na primeira volta votou em Simone Tebet e Ciro Gomes, terceira e quarto classificados, respetivamente. Nem o rosto do MDB nem o representante do PDT tomaram uma posição pública sobre que candidato irão apoiar, mas, independentemente de quem for, tal decisão poderá não ser relevante o suficiente para mudar as intenções de voto dos apoiantes.
"A Simone Tebet sinalizou que tinha um lado e pode ser mais favorável a Lula, mas o apoio dela pode não ser o apoio escolhido pelo partido dela. Pelo perfil dos partidos, penso que os eleitores que votaram na Simone podem acabar migrando para Bolsonaro. Por outro lado, mesmo que o Ciro não apoie Lula, o eleitorado deverá optar pelo candidato do PT, devido a questões ideológicas", elucida a politóloga, reforçando que a discrepância sobre as preferências deste eleitorado aumenta a incerteza sobre a vitória de qualquer um dos candidatos.