Eleições em três estados do Leste da Alemanha apontam para vitória inédita da AfD, com a retórica anti-imigração a dominar a agenda, depois de mais um atentado mortal. Partidos na coligação de Governo (sociais-democratas, verdes e liberais) em dificuldades também para as eleições federais do próximo ano.
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É um cenário político inédito o que se anuncia para a Alemanha neste domingo: pela primeira vez desde o fim do regime nazi, uma força de extrema-direita (AfD) poderá vencer várias eleições estaduais. Em paralelo, desponta uma nova força populista de esquerda (BSW), também alicerçada na retórica anti-imigração. Os partidos tradicionais agonizam, em particular os três que compõem a atual coligação no Governo federal (sociais-democratas, verdes e liberais), que correm o risco de desaparecer de vários parlamentos. E os efeitos deste sismo no Leste do país ameaçam abalar as fundações do sistema partidário e político nas eleições gerais do próximo ano.
“A imigração é o tema-chave para os eleitores alemães”, destaca a cientista política Ursula Munch, citada pelo portal de notícias público Deutcshe Welle. É assim em particular na Turíngia, em que as sondagens são lideradas por Bjoern Hoecke, que muitos classificam como o “mais perigoso” político do país. O chefe da Alternativa para a Alemanha (AfD) neste estado do Leste é o favorito a vencer as eleições deste domingo, destacando-se pelos discursos abrasivos contra a imigração, em particular a de origem muçulmana. E não hesitou em cavalgar o recente atentado em Solingen (no extremo ocidental da Alemanha), com o ataque à faca de um cidadão sírio a quem foi recusado o pedido de asilo, que deixou três mortos e sete feridos graves.
Cordão sanitário à extrema-direita
A AfD tem sido submetida a um “cordão sanitário” por parte dos restantes partidos e presume-se que continuará isolada, ou seja, impossibilitada de assumir a chefia de governos estaduais (na Turíngia, como na Saxónia ou no Brandemburgo, onde também está em primeiro lugar nas sondagens). No entanto, como destaca André Brodocz, politólogo da Universidade de Erfurt (capital da Turíngia), citado pelo jornal britânico “The Guardian”, “o centro de gravidade da política alemã em matérias como as migrações, o apoio à Ucrânia e as políticas energéticas verdes, vai alterar-se. Outros partidos vão tentar ocupar os temas e as posições da AfD, para tentar conquistar os seus eleitores na eleições federais” de setembro do próximo ano.
Essa é, aliás, uma das explicações para um outro fenómeno partidário deste ciclo eleitoral, a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), fundado em janeiro deste ano. A mulher que dá o nome ao partido, que dirige com mão de ferro, e que os politólogos catalogam como populista e “conservadora de esquerda” é uma das principais figuras da campanha, mesmo que não esteja nos boletins de voto.
Travar apoio da Alemanha à Ucrânia
Evita a retórica racista, mas adotou um discurso anti-imigração (“não há lugar para mais”), apresentando-se como alternativa ao extremismo da AfD, que afasta muitos alemães. No seu discurso político está igualmente presente a recusa de manter o apoio à Ucrânia (o que lhe permite angariar apoio de uma parte dos eleitores sociais-democratas) ou o ataque às políticas verdes que, argumenta, estão a desindustrializar a Alemanha. Em qualquer destes casos, os pontos de contacto com o programa da Alternativa para a Alemanha são evidentes.
Mas a principal vítima de Wagenknecht, que iniciou a sua carreira política no partido comunista da Alemanha de Leste, em 1989, quando o regime já estava a entrar em colapso, são os seus antigos correligionários do Die Linke (A Esquerda), que até aqui lideravam um Governo de coligação na Turíngia (com SPD e Verdes) e, apesar de se manterem à tona nas sondagens deste estado, deverão desaparecer dos parlamentos da Saxónia (que também vai a eleições este domingo) e do Brandemburgo (com eleições marcadas para 22 de setembro).
Partidos tradicionais em crise
Sahra Wagenknecht já rejeitou qualquer hipótese de coligação do seu partido com a extrema-direita (ainda que admita eventuais convergências em matérias legislativas), mas, a confirmarem-se nas urnas os resultados das sondagens, em nenhum dos três estados que vão a eleições em setembro será possível formar uma coligação de Governo sem o acordo de pelo menos um dos dois partidos populistas (AfD e BSW). Somados, valem mais que todos os partidos tracionais na Turíngia, registam um empate à décima na Saxónia, e perdem por menos de um ponto percentual no Brandemburgo.
Como argumenta John Kampfner (britânico, apesar da sonoridade do apelido), autor de várias obras sobre a Alemanha, os quatro partidos do “mainstream”, ou seja, os que integraram os governos nacionais do pós-guerra, estão “em sarilhos”: os Verdes com a resistência às políticas climáticas que ameacem a economia; os liberais do FDP porque se transformaram num partido ultra-libertário; os sociais-democratas do SPD porque a impopularidade do seu líder e chefe de Governo, Olaf Scholz, já só lhe permite lutar pela sobrevivência; e os democratas-cristãos da CDU, apesar de liderarem as sondagens a nível nacional, porque, ao afastarem-se do centro em direção ao conservadorismo, são obrigados a “olhar por cima do ombro” para o BSW.
Tome nota
Ultrapassar a barreira dos 5%. Nas eleições alemãs (estaduais e federais) os partidos têm de ultrapassar a barreira dos 5% de votos expressos para conseguirem eleger deputados nos parlamentos. Uma regra constitucional que foi desenhada para excluir os partidos extremistas, na ressaca da II Guerra Mundial e do trauma da ascensão ao poder do partido nazi de Adolf Hitler, mas que agora ameaça varrer do espaço político regional alguns partidos tradicionais.
Liberais fora dos parlamentos. Os liberais (FDP) não vão conseguir representação em nenhum dos três estados com eleições em setembro e estão, nesta altura, em risco para as eleições federais (5%). Os verdes estão bastante melhor a nível nacional (11,8%), mas ficariam afastados do parlamento da Turíngia e podem desaparecer na Saxónia e no Brandemburgo. O Die Linke (A Esquerda) está à beira do aniquilamento estadual e federal (vítima de Sarah Wagenknecht), resistindo apenas na Turíngia, que governou durante a última década, mas caindo para o quarto lugar.
Agonia dos social-democratas. Até o SPD, o grande partido social-democrata de centro-esquerda, que partilha com a CDU (democratas-cristãos) o facto de terem sido os únicos a liderar governos nacionais nas últimas oito décadas, corre o risco de perder representação nos estados da Turíngia e Saxónia (está nos 6%). E a nível nacional marca agora uns anímicos 15%, atrás da extrema-direita da AfD. Segundo os analistas políticos alemães, é possível que o seu líder (e chefe do Governo federal) Olaf Scholz seja derrubado ainda antes das legislativas de setembro de 2025.
Centro-direita ainda resiste. O único partido que mantém relevância nos dois níveis políticos mais importantes (estados e federação) é a CDU. Se houvesse hoje eleições nacionais, venceria sem dificuldade, mas seria obrigado a procurar, de novo, uma “grande coligação” com o SPD, ou a estrear a chamada “coligação Jamaica” com Verdes e Liberais (se estes se aguentarem no Parlamento nacional). No que diz respeito aos estado, bate-se taco a taco com a AfD na Saxónia, mas na Turíngia e no Brandemburgo os resultados são bastante mais modestos.