Talibãs impõem apagão digital total e agravam isolamento das mulheres no Afeganistão
O Afeganistão enfrenta um corte total de Internet e telecomunicações após as autoridades talibãs terem desligado, na segunda-feira, a rede nacional de fibra ótica. A ligação caiu para menos de 14% do normal, segundo a NetBlocks, uma organização que monitoriza a liberdade de acesso à Internet. A medida paralisou comunicações civis, serviços internacionais e agravou a repressão sobre o acesso à educação e informação, sobretudo entre mulheres.
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O corte afetou os serviços móveis e interrompeu comunicações pessoais, profissionais e institucionais. Fontes do governo talibã admitiram que milhares de ligações foram desligadas e não há previsão para o restabelecimento. Diplomatas internacionais e correspondentes da ONU confirmam que as suas operações ficaram seriamente limitadas. Entre as consequências do apagão, estão a paralisação do aeroporto de Cabul, dificuldades no sistema bancário e dificuldade em contactar por telefone autoridades e hospitais.
Apesar de alertas internos sobre o impacto económico, a liderança talibã terá insistido na medida, aplicando cortes seletivos em várias províncias que acabaram por se estender a todo o território. A decisão afeta especialmente as mulheres, para quem a internet era uma das poucas formas de acesso à educação e ao exterior.
O Centro de Jornalistas do Afeganistão (AFJC) também denunciou a situação e descreveu o país como mergulhado num "apagão informativo", resultado de uma "guerra deliberada contra o direito à informação". A organização lembra que os talibãs já emitiram, pelo menos, 22 diretivas que restringem a liberdade de expressão e o acesso à informação. Entre elas, estão medidas como a censura de meios de comunicação internacionais, proibição da cobertura de protestos, exigência de aprovação prévia de conteúdos e exclusão de mulheres jornalistas de redações mistas.
As medidas são justificadas pelo regime com base na sua interpretação da lei islâmica e visam, segundo o governo, prevenir o "vício" e a "imoralidade".
Impacto nas mulheres
As Nações Unidas recordam que, além da proibição de acesso a espaços públicos, as mulheres e raparigas foram afastadas do ensino secundário e superior em 2021. Atualmente, 78% das mulheres não estudam, trabalham ou recebem algum tipo de formação, o que agrava a crise económica do país.
Fahima, estudante afegã citada pela "BBC News", conta que ela e as irmãs estudavam exclusivamente online: "Costumávamos manter-nos atualizadas pela internet, mas agora é impossível. Não conseguimos aprender." Sonhavam acabar os estudos para ajudar financeiramente o pai, mas agora permanecem em casa sem perspetivas.
Zabi, ex-jornalista e professor de inglês online, também foi afetado. As suas aulas mistas reuniam de 70 a 80 estudantes que se preparavam para realizar exames de inglês. Sem acesso à Internet, os alunos ficaram sem alternativas. Para os rapazes, ainda existem alguns centros que ensinam inglês presencialmente, mas para as raparigas esta era a última esperança. Se a ligação não regressar, o professor admitiu à BBC ter de abandonar o país.
A ausência de rede prejudica igualmente o contacto social. Roweida, estudante citada pelo "The Guardian", lembra que muitos se reuniam todas as noites através do Google Meets e que "ouvir outras vozes dava esperança."
Antes do corte total, a internet móvel era uma solução que já era demasiado cara para a maioria. Um plano mensal de 100 GB custava cerca de 44 euros (3.500 afeganes). O Wi-Fi, mais acessível, rondava os mil afeganes e podia ser dividido entre vários estudantes.
Esta não é a primeira vez que as mulheres afegãs foram afetadas por medidas do governo. No início do mês de setembro, quase 140 livros de autoria feminina foram removidos das universidades por alegado teor anti-Sharia (a lei islâmica).
As autoridades dizem respeitar os direitos das mulheres segundo a sua interpretação da cultura afegã e da lei islâmica. No entanto, desde agosto de 2021, os talibãs já impuseram restrições ao vestuário, educação, emprego, mobilidade e acesso à justiça das mulheres, violando uma série de direitos humanos.