Um dos seis sobreviventes do acidente aéreo que vitimou mortalmente 71 pessoas, dizimando quase toda a equipa da Chapecoense, na semana passada, contou que ninguém percebeu que o avião se ia despenhar.
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Numa entrevista detalhada ao programa "Fantástico" da rede Globo, Erwin Tumiri, que abasteceu o avião, respondeu a várias perguntas que estavam em aberto. Quando questionado acerca da falta de combustível, Erwin Tumiri esclareceu que, em momento algum, foi negligente.
Eles dizem-me qual o combustível necessário e eu faço esse abastecimento. Supus que eles sabiam o que estavam a fazer.
"Em relação à autonomia e à parte da carga, quem trata disso é o despachante de voo (o responsável pelo planeamento e controlo operacional das viagens), a responsabilidade é da LaMia", apontou, acrescentando que "eles sabiam qual era o peso (do avião) e o combustível correspondente."
"Eles dizem-me qual o combustível necessário e eu faço esse abastecimento. Supus que eles sabiam o que estavam a fazer", disse o boliviano.
"Nós, como técnicos de voo, fazemos o trabalho pré-voo, com listas de tudo o que é preciso fazer. Preocupamo-nos com isso. A LaMia tem o seu pessoal, mas eu sigo o meu trabalho. Nos relatórios, estava escrito que íamos a Cobija (abastecer). No momento da descolagem, perguntei e disseram que íamos diretos para Medellín", explicou.
Faltou liderança.
"O piloto ou o profissional responsável da LaMia não teve uma boa ideia", afirmou Erwin, criticando a forma individual com que as decisões são tomadas. "Todas as informações deviam ser comunicadas à tripulação. A tripulação devia ter sabido. Faltou liderança", rematou.
Erwin nega ter colocado uma mala no meio das pernas para sobreviver
Ao contrário do que a imprensa internacional veiculou acerca da forma como o boliviano conseguiu salvar-se, Erwin esclareceu que nunca seguiu a norma de segurança que obriga os tripulantes a colocarem uma mala no meio das pernas, até porque não se chegou a aperceber do que estava a acontecer.
Não percebi que o avião ia cair, ninguém percebeu.
"Eu não disse nada disso. É a primeira vez que estou a falar para a imprensa. Não percebi que o avião ia cair, ninguém percebeu. Estavam todos prontos para uma aterragem normal."
Pouco antes da queda, Erwin estava a conversar com um técnico da equipa da Chapecoense.
"Ele estava a ensinar-me a falar português. Entretanto, informaram-nos de que íamos aterrar, por isso voltamos todos aos lugares. Toda a gente se sentou. Depois, as luzes apagaram e o avião começou a tremer. Pensei que a vibração fosse normal, mas não era".
Depois disso, só se lembra de acordar.
Os momentos de drama
"O momento do acidente foi como um pesadelo, nem eu mesmo acreditava. Acordei e pensei 'o que é que acabou de acontecer?'", contou. Atordoado, ligou a lanterna e gritou por ajuda, para que o vissem e ouvissem. Entretanto, apercebeu-se que Ximena Suárez, a assistente de bordo que sobreviveu, estava a cinco metros de si.
"Eu soltei-a, ela estava presa. Estava a gritar mas quando me viu foi-se acalmando", explicou.
Apesar de estar escuro, Erwin conseguiu descobrir a direção do aeroporto através do voo dos aviões, apressando-se a avançar com Ximena.
"Enquanto estava ir, vi muitos corpos espalhados, mas o que fazer? Não havia sinais de vida, estava preocupado com a possibilidade de o avião explodir, por isso fui-me afastando", contou Erwin.
O facto de o avião não ter explodido e não ter havido registo de corpos incinerados ajudou a formar a teoria de que o avião tinha ficado sem combustível.
Sinto como se eles (os jogadores) tivessem dado a sua vida pela minha.
Erwin Tumiri ainda não tinha recuperado do susto quando se viu novamente dentro de um avião, que o levou de Medellín a Bogotá, onde está ainda hospitalizado.
Quando os tratamentos acabarem, o boliviano quer voltar ao trabalho e terminar o curso de piloto que está a frequentar. Além de não querer deixar de voar, Erwin disse que quer ir a Chape, tão cedo quando possível, para conhecer a cidade.
"Eu sinto que fui salvo por eles. Sinto como se eles tivessem dado a sua vida pela minha."