Trump e Putin: a relação misteriosa que poderá ditar o futuro da guerra na Ucrânia
O discurso de Donald Trump contra Vladimir Putin, em que o presidente norte-americano disse que o homólogo russo “ficou louco” e que está a “brincar com o fogo”, poderá sinalizar um afastamento entre ambos. Os dois chefes de Estado têm uma longa e turva relação.
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Trump publicou, na terça-feira, que Putin “não entende” que, se não fosse por ele, “já teriam acontecido muitas coisas realmente más à Rússia”. “Ele está a brincar com o fogo!”, alertou o presidente dos Estados Unidos na rede Truth Social.
No dia anterior, o líder da Casa Branca escreveu que “algo tinha acontecido” com o chefe de Estado do Kremlin, que “ficou completamente louco”. Os comentários surgiram após os últimos dias de intensos ataques aéreos contra cidades ucranianas, que provocaram a morte de civis – apesar de a Rússia alegar que tinha como alvo estruturas militares.
O presidente dos EUA está a considerar a imposição de novas sanções, de acordo com quatro oficiais norte-americanos ouvidos sob condição de anonimato pelo portal Politico. Medidas contra os setores bancário e energético russos poderão contribuir para pressionar Moscovo a aceitar a proposta de cessar-fogo de 30 dias dos EUA. “Putin está perigosamente perto de queimar a ponte dourada que Trump estabeleceu à sua frente”, disse um funcionário da Administração federal, citado pelo mesmo site.
A relação entre Trump e Putin, na corda bamba nos últimos dias, já teve diversos capítulos. O chefe de Estado norte-americano é próximo do líder russo há anos, mas o início de tal vínculo é incerto. Em outubro de 2013, numa entrevista a David Letterman, o então empresário do ramo imobiliário disse que Putin “é um tipo durão”. “Eu encontrei-o uma vez”, revelou, sem dar pormenores sobre quando ou como.
No mês seguinte, Trump, que era proprietário de 50% do concurso Miss Universo, esteve em Moscovo, sede daquele ano do evento de beleza internacional. Segundo o jornal britânico “The Guardian”, um encontro entre Putin e o magnata norte-americano chegou a ser pensado, mas não se concretizou. O oligarca russo Aras Agalarov afirmou que o Kremlin enviou uma “carta amigável” e uma caixa em laca de presente a Trump.
Durante a campanha eleitoral de 2016, Trump disse em julho que não se encontrou com o presidente russo. “Nunca conheci Putin, não sei quem é Putin”, declarou.
Aqueles dias em que o multimilionário esteve na capital russa ganhariam destaque em 2017, quando um documento publicado por um ex-espião britânico, conhecido como “dossiê Steele”, alegava que a Rússia tinha colhido informações para chantagear Trump em relação a um episódio com prostitutas. Em 2018, Putin sublinhou que tal especulação era “sem sentido” e que, na época, Trump era um indivíduo, um homem de negócios. “Acha que tentamos recolher material comprometedor sobre cada um deles [empresários norte-americanos na Rússia]?”, questionou o líder russo.
Este caso e outras acusações no dossiê não foram comprovados, com algumas alegações sendo falsas – como a de que o então advogado de Trump, Michael Cohen, se reuniu com oficiais russos em Praga, durante a campanha presidencial de 2016. O que estava no documento e foi comprovado pelo “Relatório Mueller”, elaborado pelo procurador especial Robert Mueller, foi a interferência russa através de ataques informáticos e campanhas de desinformação durante as eleições em que o republicano venceu Hillary Clinton. Uma conspiração da equipa de Trump com os russos não foi estabelecida.
Encontros oficiais
Em 2017, o primeiro encontro oficial entre Trump e Putin ocorreu na cimeira do G20 em Hamburgo, na Alemanha. Ambos discutiram a questão da Síria e da Ucrânia. Sem rebater, o líder da Casa Branca ouviu do hómologo do Kremlin fortes críticas contra a Ucrânia – de que era um país corrupto e inventado.
Trump e Putin encontraram-se outras vezes em novembro de 2017, no Vietname, e em julho de 2018, em Helsínquia. Nesta última ocasião, Trump causou choque ao contradizer as conclusões dos serviços secretos dos EUA e dizer que aceitava a negação “extremamente forte e poderosa” de Putin em relação à interferência russa nas eleições de 2016.
Enquanto esteve fora da Casa Branca, Trump recebeu o apoio do Kremlin nas falsas acusações de que as presidenciais de 2020 foram roubadas. Em 22 de fevereiro de 2022, dois dias antes da invasão russa da Ucrânia, o conservador norte-americano classificou como “genial” a manobra de Putin em reconhecer a independência de dois territórios no Oeste da Ucrânia controlados pelos rebeldes pró-Moscovo – que mais tarde seriam incorporados à Federação Russa.
Com a invasão da Ucrânia, Trump destacou que “o problema não é Putin ser inteligente, o que, claro, ele é”. “O verdadeiro problema é que os nossos líderes são burros. Permitiram que ele se safasse desta farsa e deste ataque à humanidade”, discursou o então ex-presidente dos EUA.
Já na campanha presidencial de 2024, Trump prometeu acabar com a guerra no Leste Europeu em “24 horas”. Após a vitória sobre Kamala Harris, o conservador recebeu uma congratulação de Putin, que salientou estar disposto a restaurar laços com os EUA.
Segundo mandato na Casa Branca
Com a posse do magnata, Trump começou a pressionar Kiev e Moscovo por um acordo. “Acho que ele [Putin] está a destruir a Rússia ao não fechar um acordo”, declarou aos jornalistas no dia 20 de janeiro de 2025. Os presidentes dos EUA e da Rússia conversaram por telefone em 12 de fevereiro, com ambos convidados a visitar o país do outro.
No mesmo mês, Trump recebeu o chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca. O encontro transformou-se num desastre diplomático, com uma altercação entre os dois e o vice-presidente norte-americano, JD Vance. O presidente dos EUA culpou Kiev por começar a guerra e voltou a repetir um ponto muito defendido por Putin: de que o líder ucraniano não tem legitimidade após ter adiado as eleições presidenciais previstas para 2024.
Em março, Trump e Putin voltaram a discutir uma proposta de cessar-fogo, o que resultou numa trégua na área energética e de infraestruturas. Neste mesmo mês, o Kremlin enviou um retrato de Trump a Trump, entregando o presente ao enviado especial Steve Witkoff, que se encontrou com Putin em Moscovo.
Em abril, o presidente dos Estados Unidos condenou os ataques a Kiev, que a 24 de abril deixaram 12 mortos. “Desnecessários e num momento muito mau. Vladimir, PARE!”, publicou na Truth Social.
As crescentes críticas do líder da Casa Branca, que ameaça retirar-se das negociações de paz, demonstram a impaciência de Washington, que aguarda colocar em prática o acordo de recursos minerais que assinou com a Ucrânia. Apesar disso, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, frisou que tais declarações de Trump estão “ligadas a uma sobrecarga emocional de todos os envolvidos”.
Uma eventual retirada dos EUA das negociações de paz poderá afetar as relações diplomáticas, mas não necessariamente a admiração pessoal do presidente norte-americano pelo homólogo russo. “Trump gosta de Putin porque Putin tem controlo sobre o seu país”, afirmou Susan Miller, ex-chefe de contrainformação da CIA, que fala numa “inveja autocrática”. “E Trump quer controlo sobre o seu país”, acrescentou.