Sistema de acolhimento do arquipélago apresenta sinais evidentes de rutura.
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As Ilhas Canárias estão a sofrer uma crise migratória sem precedentes, que tem vindo a sobrecarregar o sistema espanhol de acolhimento, forçando, assim, o porto da pequena localidade de Arguineguin, no sul da ilha de Grã-Canária a servir como lar espontâneo para mais de 1300 migrantes chegados em embarcações precárias ao território.
Enquanto os migrantes continuam a chegar sem pausa ao arquipélago, as soluções provisórias são a única saída para aliviar a forte pressão nas instalações portuárias, onde a Cruz Vermelha luta incansavelmente para conseguir oferecer às pessoas condições dignas de vida, tendo sempre presente a ameaça da covid-19.
A migração marítima tem aumentado drasticamente, devido à reabertura da rota entre a África Ocidental e as Canárias. Segundo dados do Ministério da Administração Interna, o arquipélago viu a percentagem de migrantes ilegais crescer 1019% em relação ao ano passado, que tinha registado a chegada de 1497 pessoas. Neste ano, já chegaram 16 760.
Só no período de 15 outubro a 15 deste mês, foram acolhidos 8545 migrantes, mais do que o resto do ano. A situação já crítica no molhe de Arguineguin, que albergou, durante vários dias, até 2600 pessoas, agravou-se ainda mais.
Várias organizações não-governamentais têm denunciado as más condições de acolhimento e a retenção dos migrantes durante mais de 72 horas sem justificação.
Além disso, a sobrelotação das instalações portuárias dificulta ainda mais o processo burocrático das autoridades. Após o resgate, a Polícia tem de produzir um documento que atesta a ilegalidade da chegada, é feito um teste de despistagem da covid-19 e os imigrantes ficam à espera de uma vaga para serem acolhidos, que costuma demorar devido ao alto número de solicitações.
O perfil do migrante também segue um padrão. A grande maioria são homens de 20 a 30 anos, com nacionalidade marroquina ou senegalesa, que ficaram sem trabalho devido à pandemia e que decidiram arriscar a vida atravessando uma das fronteiras mais imprevisíveis do Mundo: o oceano.
Soluções a conta-gotas
Perante a nova "avalanche", o Ministério da Defesa cedeu um terreno no Barranco Seco para que fosse instalado um novo Centro de Detenção Temporária de Estrangeiros, que já alberga 400 imigrantes e espera acolher até mil pessoas.
A outra solução de emergência do Governo foi realojar temporariamente mais de 5000 pessoas nos complexos hoteleiros que se encontram vazios devido às terríveis consequências da pandemia para o turismo. Porém, a Federação de Empresários da Hotelaria e Turismo de Las Palmas já pediu a recolocação dos migrantes nas instalações públicas, para poder focar-se na nova temporada turística do inverno, já que a incidência do novo coronavírus na região é baixo.
O Executivo das Canárias consultou o Governo central sobre a possibilidade de transferir grupos de migrantes para território continental, onde os centros de acolhimento vivem uma situação muito mais calma. Porém, deparou-se com uma resposta negativa de Fernando Grande-Marlaska, ministro da Administração Interna, que teme um efeito de chamada devido à facilidade de chegar à Europa por esta via.
Marlaska visitou Abdelouafi Laftit, o seu homólogo, em Marrocos, para reforçar a cooperação entre os dois países. Longe da proposta canária de repartir a pressão migratória está a decisão do ministro da Inclusão, Segurança Social e Migrações, José Luís Escriva, de autorizar sete mil novas vagas de acolhimento em locais espalhados pela geografia do arquipélago.
FRONTEIRAS
Tribunal Constitucional reavalia lei
O Tribunal Constitucional de Espanha reavaliou a Lei de Segurança Cidadã, que permite expulsar os migrantes ilegais que tentem passar a fronteira das cidades autónomas de Ceuta e Melilla para entrar em território espanhol. Assim, agora, não é permitido às autoridades espanholas entregar a Marrocos os migrantes que acedam a Espanha de forma irregular sem expedientes formais nem prestação de atenção jurídica, especialmente em relação às situações mais vulneráveis. Esta decisão chega depois de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos anular a condenação de Espanha por ter violado os direitos humanos de dois subsaarianos alvo da expulsão através daquele método.