Altos representantes dos oito países abrangidos pela Amazónia reúnem-se, nestas terça-feira e quarta-feira, em Belém, estado do Pará, na Cimeira da Amazónia, um encontro decisivo convocado pelo Presidente do Brasil para discutir medidas de defesa da maior floresta tropical do Mundo e dos seus imensos recursos.
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Quem são os participantes?
Na cimeira, que se realiza pela primeira vez em 45 anos, participam os presidentes ou altos representantes do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, que são os estados-parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazónica (OTCA). O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, cancelou a sua presença à última hora, por lhe ter sido diagnosticada uma otite. Também não estão presentes os seus homólogos do Equador, Guillerme Lasso, e do Suriname, Chan Santokhi. Foram convidados dirigentes de outros países com florestas tropicais, como o Congo e a Indonésia, bem como o presidente francês, Emmanuel Macron, em representação da Guiana Francesa, nono território amazónico, mas não independente e por isso não faz parte da OTCA. Participam ainda representantes da Noruega e da Alemanha, os principais doadores do importante Fundo Amazónia, que financia projetos de preservação da floresta.
O que é a Organização do Tratado de Cooperação Amazónica (OTCA)?
A Organização do Tratado de Cooperação Amazónica (OTCA), criada em 1995, é uma organização permanente constituída por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, sucedendo ao Tratado de Cooperação Amazónica (TCA) assinado pelos mesmos países em 3 de julho de 1978, com “o objetivo de promover o desenvolvimento harmónico dos territórios amazónicos, de maneira que as ações conjuntas gerem resultados equitativos e mutuamente benéficos para alcançar o desenvolvimento sustentável da Região”, assumindo “o compromisso comum para a preservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais da Amazônia”.
Qual é a missão da OTCA?
A OTCA opera nas dimensões político-diplomática, estratégica e técnica, criando sinergias entre governos, organizações multilaterais, agências de cooperação, sociedade civil organizada, movimentos sociais, comunidade científica, setores produtivos e a sociedade como um todo, no âmbito da implementação do TCA. Assume como “missão ser um fórum permanente de cooperação, intercâmbio e conhecimento, guiado pelo princípio de redução das assimetrias regionais entre os países-membros; auxiliar nos processos nacionais de progresso económico-social, permitindo a paulatina incorporação desses territórios nas economias nacionais; promover a adoção de ações de cooperação regional que resultem na melhoria da qualidade de vida dos habitantes da Amazônia; atuar segundo o princípio do desenvolvimento sustentável e modos de vida sustentável, em harmonia com a natureza e o meio ambiente e levando em consideração a legislação interna dos Países Membros”.
O que se espera seja tratado na Cimeira da Amazónia?
São grandes as expectativas relativamente aos resultados do encontro, devido à desaceleração da sua atividade nos últimos anos, sobretudo durante a presidência de Jair Bolsonaro no Brasil, que foi permissivo – e até incentivador – em relação a atividades predadoras dos recursos da Amazónia, como a desflorestação (exploração de pastos e madeira) e a mineração, e de ataques aos direitos dos indígenas. Aguarda-se, por isso, o relançamento da cooperação entre países – o que deve passar pela criação de um grupo de trabalho visando o estabelecimento de um Parlamento Amazónico – , em áreas como a conservação e a monitorização da desflorestação, bem como compromissos de entreajuda no combate a atividades ilegais. Em última análise, devem ser estabelecidas ações e metas comuns, que devem constar a “Declaração de Belém” (o presidente brasileiro, Lula da Silva, prometeu desflorestação zero até 2030 e várias organizações apelam a que esse seja o objetivo-meta e a Colômbia defende a preservação de 85% da Amazónia até 2025) para evitar o que os especialistas chamam “ponto de não retorno”. O Brasil propõe a criação de um grupo científico inspirado no Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas e um Centro de Cooperação Policial Internacional, sediado em Manaus (Amazonas)
O que é o ponto de não retorno?
Este é o problema mais complexo, em relação ao qual os especialistas, segundo a imprensa brasileira, têm expectativas mais baixas, devido à gravidade da situação, temendo que o ponto de não retorno – de perda de pelo menos metade da floresta no sul, centro e leste da Amazónia –, significando que a Amazónia passará a emitir mais dióxido de carbono do que absorve, o que pode ocorrer dentro de 30 a 50 anos. Além da perda definitiva de fauna e flora (a Amazónia guarda 10% da biodiversidade do planeta) e da afetação de populações indígenas, a desflorestação e as queimadas terão impactos no próprio regime de chuvas e no sistema hídrico da América do sul, aumentando as secas e a “savanização” de boa parte da região (dois milhões de quilómetros quadrados já estão perto disso, salienta o portal G1). Um manifesto de 52 organizações não governamentais avisa que cerca de 15% da Pan-Amazónia já foi desflorestado, incluindo mais de 20% na Amazónia Brasileira. O Brasil é aliás o responsável por mais de 90% da atual desflorestação. A nível mundial, o Brasil lidera a perda de floresta tropical primária. Só entre 2021 e 2022, ficou sem 1 772 689 hectares (-15% num ano!), ou seja, 43% dos 4,1 milhões de hectares perdidos em todo o Mundo, segundo um relatório recente (link).
Que outros problemas estão em causa na Amazónia?
Um dos problemas mais sérios é o futuro das populações que vivem na região (50 milhões de pessoas), mas sobretudo as indígenas – de que são exemplos dramáticos os Apyterewa, Karipuna, Sepoti e Yanomami –, devido à ocupação e aos ataques aos seus territórios por fazendeiros, garimpeiros e mesmo a exploração legal de minérios, madeira e outros recursos, verificando-se assassínios e incidentes frequentes. Ainda nesta segunda-feira, duas mulheres e um homem foram baleados num protesto contra uma exploração para o fabrico de óleo de palma no nordeste do Pará. Também nesse dia, foi apresentado um protesto de 80 entidades contra o projecto da petrolífera brasileira, Petrobras, de pesquisar e explorar petróleo e gás natural na foz do Rio Amazonas.
Qual é a importância política da cimeira para o Brasil?
Além de ser uma iniciativa do presidente Lula da Silva, que convidou os chefes de Estado dos restantes países-membros da OTCA, a cimeira representa um passo importante na reativação efetiva da organização e mesmo um teste à liderança do presidente brasileiro na região e especialmente face aos graves problemas da Amazónia, em relação aos quais o Brasil tem grandes responsabilidades. Trata-se de um tema que o seu antecessor desprezou e que ele valoriza, do ponto de vista da preservação dos recursos e da promoção dos direitos das populações. O encontro é também encarado como um ensaio para a realização, em 2025, também na cidade de Belém, da 30.ª Conferência de Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (vulgo Cimeira do Clima).