Tânia Marques, enfermeira de Mafra, sofreu de enxaquecas durante anos, mas só conseguiu dar nome às dores de cabeça, sensibilidade à luz e barulhos que a deixam prostrada quando foi diagnosticada no privado. Está entre os 70% de portugueses com acompanhamento médico que não encontraram resposta no Serviço Nacional de Saúde (SNS), segundo um estudo que a MiGRA - Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias apresenta esta segunda-feira.
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A doente de 34 anos, que sofre de enxaqueca crónica refratária, recorreu ao privado, porque, "no público, não havia qualquer tipo de valorização" dos sintomas. Também tem dificuldade em aceder a tratamentos no SNS. Após "ano e meio à espera de ser chamada num hospital público para fazer terapia biológica", foi para o privado e pagou "1097 euros por três injeções", confidencia Tânia Marques.
"Os doentes com enxaquecas e cefaleias continuam a ser desvalorizados no SNS e não têm acesso ao tratamento e acompanhamento médico de que precisam", denuncia Bruna Santos, da MiGRA Portugal.
Para além da "desvalorização de sintomas por parte de alguns doentes, há falta de consultas de especialidade de cefaleias no SNS e desconhecimento de alguns médicos de família", o que faz com que a "maioria necessite de procurar o privado, mesmo que seja um grande esforço financeiro", explica.
Bruna Santos considera, por isso, que é "urgente ter mais especialistas em cefaleias, aumentar o número de consultas e haver acompanhamento nos cuidados de saúde primários".
Passar por 4 a 5 médicos para ter diagnóstico
O estudo da MiGRA, que inquiriu 596 pessoas que sofrem de enxaquecas e cefaleias, revela que um quinto passa por quatro ou mais médicos até chegarem à identificação da patologia. Muitos revelam dificuldade no acesso a consultas especializadas no SNS, buscando ajuda junto de unidades privadas: 38,5% não possuem acompanhamento médico. Entre os que têm tratamento, 70% são acompanhados em instituições privadas.
Também 60% estão insatisfeitos com o seu tratamento e mais de metade não conhece outras opções, como os medicamentos biológicos. Entre os inquiridos que fazem tratamento preventivo, 30% só iniciaram este procedimento mais de cinco anos após o diagnóstico. A fatura é pesada: 25% contam que o valor da consulta é difícil de suportar e 20% dos inquiridos acompanhados no privado suportam a totalidade dos custos.
O estudo revela, ainda, que perto de 40% vivem com enxaqueca ou cefaleias há mais de 20 anos e 79% registam ter crises de mais de quatro dias por mês.
Raquel Gil-Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, sublinha que a incapacidade faz com que estes doentes não consigam dar a mesma resposta a desafios laborais e eventos familiares, pelo que têm "pior progressão na carreira, piores rendimentos" e sofrem de "incompreensão" da sociedade, que "não valoriza" as enxaquecas.
Afeta 12% da população
A enxaqueca é uma doença neurológica crónica que afeta cerca de 12% da população mundial. São cerca de um milhão e meio em Portugal. É considerada pela Organização Mundial de Saúde como a segunda doença mais incapacitante em termos de anos vividos com incapacidade (a primeira abaixo dos 50 anos).
Hereditariedade e hormonas
Existe um património genético para desenvolver a doença. São afetadas mais mulheres do que homens por questões hormonais.
Dores e sensibilidade incapacitantes
Para além de dores de cabeça, os doentes sofrem de outros sintomas, como náuseas, vómitos, sensibilidade à luz e a ruídos, entre outros, que causam episódios incapacitantes.