É o mais recente ponto de atração do Porto. Com a passagem inferior vedada, para permitir as obras de reabilitação, a travessia mais alta da Ponte Luís I é chamariz para enchentes diárias, seja qual for o motivo. E sem medo das alturas ou da passagem constante do metro. Há mesmo quem lhe chame um "percurso sagrado".
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Quem vê ao longe parece mar de gente sem fim, seja qual for o dia da semana, faça chuva ou o sol de inverno desponte, seja às primeiras horas da manhã ou ao anoitecer. Desde o encerramento para obras de reabilitação do tabuleiro inferior da Ponte Luís I, em outubro, que o superior ganhou nova vida, com multidões a atravessá-lo a pé, a demorarem-se num passeio, a usá-lo como ponto perfeito para captar fotografias únicas do Porto ribeirinho e até a pedi-lo emprestado para exercitar o corpo numas pedaladas de bicicleta ou num jogging esforçado.
"São centenas de pessoas diariamente. Antes das obras já havia movimento, claro, mas não era tanto como agora", confirma Maria José Azevedo, 47 anos, proprietária da Cafetaria Mais Um, mesmo à entrada do tabuleiro, do lado do Porto. "Já se vão notando alguns turistas, mas cada vez mais portugueses. Sobretudo ao fim de semana, embora de segunda a sexta-feira seja também impressionante", conta.
"A ponte está sempre cheia. Os estrangeiros é verdade que ainda são poucos, estão a regressar lentamente. De qualquer forma, as pessoas locais, e não só, dão para a encher, principalmente durante a parte da tarde", sublinha Gil Correia, 43 anos, dono da Papelaria Quioske da Ponte, autêntica janela privilegiada para a nova atração do Porto.
Cães e donos a passearem, parins em linha ou skate
A passagem do metro parece apenas um pormenor desprovido de importância no tabuleiro altaneiro da Luís I. Segue o seu percurso normal, de frequência certa e imponente, fazendo tremer os carris mas não assustando quem se afasta a custo para não ser por ele abalroado. Caminho livre de novo e eis que toda a largura da ponte volta a ser ocupada pelos peões, quais reis do território em cenário de sonho.
É ver pessoas de telemóvel em punho para captar os melhores ângulos para a foto perfeita, jovens e menos jovens de fatos apertados e transpirados em passo enérgico de corrida contra o tempo e a bem da saúde, ciclistas que pedalam ponte fora como se fosse uma avenida limpa de obstáculos, trotinetas que desafiam a lei da velocidade, patins em linha que não receiam falta de equilíbrio, cães passeados pela trela por donos que lhes deitam um olho enquanto espreitam a paisagem.
"É o meu percurso sagrado. Parto de Oliveira do Douro, onde resido, atravesso a ponte e vou a pé até ao centro do Porto para registar o Euromilhões. No regresso faço o percurso inverso", conta ao JN Urbano Joaquim Silva, conhecido como "Quim do Areinho", ex-empregado de balcão e ex-jogador de futebol, agora a gozar a sua reforma aos 72 anos. "Isto parece um São João antecipado, é uma alegria de se ver assim", diz Joaquim enquanto olha a multidão imensa.
Sou de Famalicão, mas estou a morar em Gaia e faço este passeio de propósito. É o melhor sítio do Porto
Encostado às grades do tabuleiro, mesmo a meio da travessia, Simão Silva, 24 anos, é um jovem deslumbrado. "Três ou quatro vezes por semana que não deixo de vir à ponte. Sou de Famalicão, mas estou a morar em Gaia e faço este passeio de propósito. É o melhor sítio do Porto", comenta.
Exatamente o mesmo comentário saído espontâneo da boca de Isabel Queirós, natural do Porto e há décadas em Lisboa como gestora de terminal no Aeroporto Humberto Delgado. "Aproveitei e vim mostrar este cenário lindo aos meus dois filhos, que não o conheciam", diz Isabel, 47 anos. Joana, 16, e Diogo, 13, anuem: "Dá um bocado de medo olhar para baixo, mas é fantástico".
Inaugurado a 31 de outubro de 1886, o tabuleiro superior da Ponte Luís I, assim batizada por ter aberto à circulação no dia do 48.o aniversário do monarca, é ponto de união entre Porto e Gaia desde, respetivamente, a extremidade da Avenida Vímara Peres e o início da Avenida da República.
Com uma extensão de 392 metros, foi travessia rodoviária, rota dos velhinhos tróleis e dos ainda mais idosos elétricos. E chegou a ter portagem para quem a queria atravessar, entre 1913 e 1944.
Uma obra de arte que devemos todos acarinhar e cuidar
Desde 2005, que a circulação serve em exclusivo a linha D do Metro do Porto, que faz a ligação entre as estações do Hospital de São João, no Porto, e de Santo Ovídio, em Gaia.
A companheira da parte inferior, essa, entrou em obras a 14 de outubro de 2021 e assim estará, impedida aos automóveis e muito limitada para peões, até ao início do último trimestre deste ano. Os trabalhos têm a duração prevista de 12 meses, segundo calcula a IP - Infraestruturas de Portugal, responsável pela intervenção, orçada em 3,3 milhões de euros e considerada fundamental. "Não só pela melhoria das condições de atravessamento e de segurança para todos, mas por se tratar de uma obra de arte que devemos todos acarinhar e cuidar", assinalou Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Gaia, aquando do arranque do projeto de reabilitação.
"É necessária a substituição pontual de rebites, a retificação de chapas deformadas, a manutenção dos aparelhos de apoio, a substituição das juntas de dilatação, a reparação das portas de acesso aos encontros e a reabilitação dos serviços afetados", descreveu então José Serrano Gordo, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal. Serão ainda reforçados os banzos superiores das vigas, diagonais e montantes através da "adição de chapas de aço, da introdução de um sistema de travamento longitudinal e a substituição da laje do tabuleiro".
A Câmara do Porto, no seu site porto.pt, adianta que a ideia passa por "conferir à ponte uma capacidade resistente compatível com as sobrecargas rodoviárias atuais".