Famílias de doentes idosos que estão nos hospitais há meses indignadas com corte na comparticipação. Medida é apontada como necessária para controlar despesa com saúde do subsistema.
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A ADSE está a deixar de comparticipar o pagamento de internamentos prolongados em hospitais privados. Desde fevereiro que beneficiários (e familiares) nestas condições estão a ser informados que têm de procurar uma alternativa, nomeadamente na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) do Serviço Nacional de Saúde. A situação está a afetar pessoas muito idosas, com múltiplos problemas de saúde, para quem não há resposta na rede pública.
Há um hospital privado no Norte que teve uma dúzia de casos. Familiares de quatro desses doentes enviaram, em fevereiro, uma carta ao Conselho Diretivo da ADSE, bem como ao primeiro-ministro, expondo as dificuldades por que estão a passar. Sem resposta. Entretanto, uma das doentes, com 98 anos, morreu, e outros foram internados em lares sem a mesma qualidade assistencial e já agravaram o quadro clínico.
Tratamento "frio e desumano"
Acabar com a comparticipação destes internamentos é uma das medidas apontadas como necessárias para controlar a despesa com saúde da ADSE no último estudo sobre a sustentabilidade daquele subsistema, divulgado há dias.
O relatório aponta a necessidade de "resolução rápida da situação anómala de beneficiários nos internamentos médico-cirúrgicos há vários anos, que necessitam é de cuidados continuados" e acrescenta que a situação é "geradora, por um lado, de graves desigualdades de tratamento dos beneficiários e, por outro lado, de elevados custos para a ADSE".
Ana Pereira da Costa teve a mãe internada quase um ano, até que em dezembro a unidade de saúde avisou que estava a ter dificuldades em obter o pagamento da ADSE. O hospital suportou as despesas, mas em fevereiro a doente de 86 anos, com Alzheimer e a precisar de acompanhamento permanente, teve mesmo de sair. Numa luta contra o tempo, Ana conseguiu uma vaga numa residência sénior com cuidados de enfermagem permanentes. "Uma semana depois descompensou e foi parar às urgências", conta. Sem comparticipação da ADSE, a despesa mensal da família disparou, mas a aflição maior de Ana é ver a mãe "apática e desorientada, sempre a perguntar quando vai embora porque não sabe onde está".
6 mil euros por mês, em média, é o valor que a ADSE gasta com um beneficiário em internamento médico-cirúrgico num hospital privado
Cristiana Serejo não se conforma com a forma como a avó, de 98 anos, foi tratada nos últimos momentos de vida. Com problemas cardíacos e respiratórios graves, a requerer vigilância permanente, esteve internada quase um ano. Mas em fevereiro, Cristiana foi informada de que os três relatórios médicos do hospital a atestar a necessidade dos cuidados que a avó estava a receber foram recusados pela ADSE. A solução era tentar a rede de cuidados continuados.
Desdobrou-se em contactos e logo percebeu as dificuldades. Informalmente, disseram-lhe que por causa da idade e da falta de vagas, o caso não era prioritário. "A ADSE apresenta uma solução que não é solução e depois as pessoas chegam ao SNS e vão para a rua", critica, indignada com "a forma fria e desumana como que pessoas frágeis estão a ser tratadas". Sempre lúcida, a avó de Cristiana morreu ainda no hospital. A neta ficou com a sensação que piorou quando percebeu o que a esperava.
Maria José Casa-Nova, docente, classifica como "vergonhosa" a forma como a ADSE está a tratar os idosos e a "descartar-se das suas responsabilidades". A mãe, de 87 anos, com múltiplos problemas de saúde, está internada numa unidade privada desde maio de 2017. Terá de sair, mas não sabe para onde. Foi recusada pela rede de cuidados continuados por falta de critérios e os lares que Maria José visitou não têm condições para dar resposta ao estado clínico da doente.
Critérios apertados
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) tem unidades de longa duração e manutenção (internamentos superiores a 90 dias), mas o número de camas disponível está aquém das necessidades, o que faz com que a admissão siga apertados requisitos de prioridade.
Mais de 800 em espera
A lista de espera nas unidades de longa duração e manutenção da RNCCI é longa. No passado dia 4 de abril, segundo dados do Portal do SNS, estavam 819 utentes a aguardar vaga para este tipo específico de internamento.