Esforço dos portugueses para comprar comida é quase o dobro do dos franceses. Supermercados negam altas margens de lucro, mas o Governo diz que existem e promete apertar mais o cerco.
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Apesar do ligeiro abrandamento da taxa de inflação, o preço dos alimentos continua em rota ascendente e há produtos que estão a ser vendidos nos supermercados portugueses acima dos valores de venda em países próximos com economias mais pujantes, como Espanha, França ou Alemanha. O JN comparou o custo de 13 produtos essenciais e concluiu que, tendo em conta o salário mínimo, temos carteira de pobre e preços de rico.
A análise comparou os preços de 13 produtos na única cadeia com loja online em Portugal, Espanha e França (Auchan). Além disso, comparou o preço dos mesmos produtos nas maiores cadeias com loja online dos mesmos países e da Alemanha. Em ambas as comparações as conclusões são as mesmas: os supermercados portugueses vendem mais caro que os espanhóis e mais barato que os franceses e alemães. Porém, se o cabaz for analisado com a ponderação do salário mínimo de cada país, é aos portugueses que é pedido o maior esforço. É praticamente o dobro do esforço exigido aos franceses.
Em qualquer cenário, o quilo de maçãs é mais caro em Portugal. Na comparação entre cadeias diferentes, além das maçãs, os portugueses pagam mais que todos os outros no quilo de laranjas e na dúzia de ovos. Há ainda o caso da massa esparguete do Auchan que custa quase mais 60% em Portugal do que em Espanha, apesar de ser exatamente o mesmo produto e da mesma marca. O JN contactou a Auchan Portugal para perceber porquê, mas não obteve resposta. Nesta análise foram selecionados os produtos mais baratos à venda nas lojas online, sem promoções, nos primeiros dois dias deste mês.
"Espanha eliminou o IVA"
Fonte oficial do Continente explicou ao JN que há "vários fatores" que afetam o preço dos produtos, como as "dinâmicas comerciais e as diferenças na tributação". Dos quatro países analisados, Portugal é o que tem a maior taxa padrão de IVA e "Espanha eliminou o IVA sobre os alimentos essenciais", exemplificam. França também deu apoios estatais para mitigar os "aumentos da energia e fertilizantes", acrescentam.
O Continente assegura que o aumento do preço dos bens alimentares "não é uma vontade da distribuição nem se prende com aumentos de margens". Resulta do aumento do custo de produção, como "a disponibilidade de produtos, transporte, indústria e logística".
A mesma versão tem Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED): "O Governo tem um discurso inaceitável porque coloca na distribuição uma dúvida de transparência e seriedade". Para a APED, "não é justo" comparar preços entre países "sem dizer que Espanha aboliu o IVA dos produtos essenciais" e que França e Alemanha, juntas, valem " 70% do conjunto das ajudas de Estado na Europa".
Governo aperta o cerco
Versão diferente tem o Governo que, através da ASAE, detetou "margens brutas acima de 50%" nos supermercados portugueses na semana passada, revela ao JN o secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda. A fiscalização da ASAE a 123 supermercados resultou em 12 processos-crime, a maioria por especulação, que é quando o preço da prateleira difere do da caixa. Foram ainda encontradas balanças que pesavam a mais.
Nuno Fazenda promete fiscalizar "com mais intensidade" a margem dos supermercados e vai alargar a fiscalização das margens de lucro a toda a cadeia do agroalimentar "desde o produtor até ao retalhista". E diz-se "muito empenhado" neste tema. O JN contactou a Autoridade da Concorrência, mas não obteve resposta.