Estudo alerta para sobrerrepresentação destes estudantes. Licenciaturas de Medicina e engenharias com menos bolseiros.
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É o retrato de um sistema de Ensino Superior seletivo e estratificado. Com os estudantes oriundos de famílias com níveis de escolaridade mais altos a optarem pelas universidades, em detrimento dos institutos politécnicos. E, dentro das universidades, a dominarem os cursos de Medicina e engenharias. Do outro extremo estão os estudantes das classes mais baixas. A análise é feita pelo EDULOG, da Fundação Belmiro de Azevedo, que tem como coordenador científico Alberto Amaral.
"Pegamos num indicador base: os bolseiros de ação social. Quanto menor for o peso dos bolseiros no total de estudantes, mais elitista será a instituição de Ensino Superior", explica ao JN o também presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Tendo por base ainda outro dado: apesar de os jovens (18-24 anos) que não têm um progenitor com formação superior serem 78% da população dessa faixa etária, o certo é que correspondem apenas a 61% dos novos inscritos no Superior. O que nos leva a uma sobrerrepresentação dos estudantes de famílias com formação superior, alertam os investigadores.
Já não é só em Medicina
É talvez o melhor exemplo, mas já não é caso único: a Medicina. Constatou-se então que "73,2% dos estudantes de Medicina (Universidade) são filhos de pais com Ensino Superior, ao passo que 73% dos estudantes de Enfermagem e Tecnologias da Saúde (Politécnico) são filhos de pais com qualificações inferiores ao Ensino Superior".
Medicina é, precisamente, dos cursos com menor número de bolseiros, nomeadamente em Lisboa - na Universidade Nova não chegam aos 8% - e no Porto - no ICBAS rondam os 11%. Contudo, à medida que nos vamos afastando do litoral, o número de bolseiros sobe, com mais de um quarto dos estudantes de Medicina da Universidade da Beira Interior a auferirem uma bolsa.
O cenário repete-se em Engenharia, com 4,92% de bolseiros no curso de Engenharia e Gestão Industrial do Instituto Superior Técnico (o último colocado na 1.ª fase de acesso do ano passado entrou com 168,8 valores). Ou Engenharia Biomédica, com 15,79% de alunos bolseiros na Universidade de Lisboa, valor que sobe para os 50% na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Já os estudantes oriundos de famílias com menor formação dominam os cursos de Educação e Ciências Empresariais: 39% e 20% destes alunos, respetivamente, têm pais com formação ao nível do primeiro Ciclo Básico. A este fenómeno não é alheio, claro está, os numerus clausus. Sendo que, avisa Alberto Amaral, "quanto mais os cortarem mais o fenómeno se agravará".
Competição
O estudo do EDULOG, que esta quarta-feira à noite é debatido no Porto, faz uma leitura ainda mais fina. É que dentro dos ditos cursos "elitistas", concentrados em Lisboa e no Porto, há também diferenças. É que na capital, explica o também investigador em políticas do Ensino Superior, as classes mais altas disputam médias. Já na Invicta, luta-se por uma vaga, uma vez que, em 2015, "o rácio do número de candidatos locais em relação ao número de vagas disponíveis era de 1,31 no Porto e de apenas 0,90 em Lisboa", escrevem os investigadores.
"Há muitos quadros superiores em Lisboa, há muitas famílias a lutar por um lugar. A competição socioeconómica em Lisboa é elevada", afirma Alberto Amaral. Que ilustra as suas declarações com o facto de o curso de Engenharia Civil do Politécnico de Lisboa só ter 6% de bolseiros, menos, por exemplo, do que as universidades de Aveiro ou de Coimbra.
Porto e Lisboa obrigados a criar mais vagas
As universidades do Porto e de Lisboa vão ter que aumentar entre 5% e 15% o número de vagas nos cursos que, no último concurso, só admitiram alunos com nota superior a 17 valores. Entre os 12 cursos estão Engenharia e Gestão Industrial e Bioengenharia, no Porto; e Engenharia Aeroespacial e Matemática Aplicada à Computação, em Lisboa. Para Alberto Amaral é a prova de que o Governo "começa a olhar para este afunilamento". Admite, no entanto, que a medida "provavelmente é insuficiente".
Usam as vantagens socioeconómicas
Esta análise vem demonstrar que, afinal, o Ensino Superior em Portugal não é para todos?
Esperava-se que com a expansão dos sistemas educativos fosse possível reduzir as desigualdades de acesso dos estudantes provenientes de diferentes níveis socioeconómicos. Porém, isso não se verificou e uma das explicações é dada pela MMI - Maximally Maintained Inequality. O argumento é que os estudantes dos níveis mais favorecidos socioeconomicamente estão melhor colocados do que os outros para tirar proveito das novas vantagens oferecidas pela expansão.
E os das classes mais baixas?
De um modo um pouco brutal, as classes mais baixas só podem tirar vantagem das oportunidades oferecidas pela expansão quando as necessidades das classes mais altas estiverem completamente satisfeitas.
Atualmente, há mais vagas do que candidatos. Como se explica?
Surge uma outra hipótese, a EMI - Essentially Maintained Inequality, ou seja, os atores favorecidos socioeconomicamente vão conseguir para si e para os seus descendentes qualquer tipo de vantagem sempre que esta seja possível. Enquanto um determinado nível escolar não é universal os favorecidos vão assegurar esse nível para os seus filhos.
Através das suas vantagens socioeconómicas?
Os socioeconomicamente favorecidos usam as suas vantagens para assegurar os melhores resultados, quer quantitativamente quer qualitativamente. Isso explica, por exemplo, a predominância de alunos de classes favorecidas em cursos como Medicina, ou as Engenharias do Instituto Superior Técnico ou da Faculdade de Engenharia do Porto, e o seu afastamento, por exemplo, da Enfermagem e da Educação. Ou a maior predominância de bolsas no politécnico em relação ao universitário.