No ano passado, as viaturas médicas de emergência e reanimação (VMER) do INEM estiveram quase sete mil horas inoperacionais, das quais 5400 horas por falta de tripulação.
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A taxa de inoperacionalidade deste diferenciado meio de socorro pré-hospitalar foi de 1,8%, o pior registo desde 2014. As situações mais graves verificaram-se no interior do país, onde cerca de um quinto do território esteve sem VMER durante mais de três mil horas.
Quando a VMER está inoperacional, seja por avaria ou falta de tripulação, a vítima espera mais tempo por outra viatura ou é assistida e transportada para o hospital por equipas menos qualificadas. No interior do país, o problema é ainda mais grave porque as VMER, sediadas nos hospitais, distam largos quilómetros entre si e o tempo de espera pode ser fatal.
Nos distritos da Guarda, Castelo Branco e Portalegre, que se estendem por mais de 18 mil metros quadrados, há quatro viaturas médicas, sediadas nos hospitais da Guarda, Covilhã, Castelo Branco e Portalegre. Os dados enviados ao JN pelo INEM permitem concluir que, em 2021, aquelas VMER estiveram um total de 3254 horas inoperacionais, o correspondente a 135 dias completos. E em dezembro, o quadro foi crítico. Em 31 dias, a VMER da Guarda esteve indisponível 277 horas, o equivalente a 12 dias. A de Castelo Branco esteve inativa 131 horas (6 dias), a da Covilhã 100 horas (4 dias) e a de Portalegre 76 horas (3 dias).
"Nesta vastíssima área do interior, a capacidade de resposta não é comparável ao litoral e as distâncias são muito maiores. Se estes doentes não têm acesso a suporte avançado de vida, e têm que fazer longas viagens até ao hospital e depois ainda podem ter de ser transferidos para uma unidade mais diferenciada, claramente que se confrontam com falta de socorro adequado", resume Vítor Almeida, médico no Hospital de Viseu e presidente do colégio da competência em Emergência Médica da Ordem dos Médicos, adiantando que os riscos da inoperacionalidade de uma VMER podem ser ainda mais abrangentes. "A VMER de Viseu desloca-se muitas vezes para a Guarda e deixa Viseu a descoberto durante horas", afirma, estranhando que "as autarquias não sejam mais proativas junto dos hospitais".
No início do ano, Carlos Cortes, presidente da Ordem dos Médicos do Centro, chamou a atenção para os buracos nas escalas de várias VMER da região. "Se não temos as VMER ativas é grave, não há acesso, não conseguimos intervir a tempo", refere, pedindo maior intervenção do Ministério da Saúde. "São precisas medidas imediatas".
Depende da prioridade
Desde 2014 que as administrações hospitalares são legalmente responsáveis por garantir a operacionalidade das viaturas médicas. "Mesmo no interior, há hospitais com operacionalidade muito próxima de 100% e de certeza que também têm falta de médicos, é uma questão de prioridades", refere Vítor Almeida, apontando ainda o dedo ao Hospital de Gaia, uma unidade central "com uma taxa de inoperacionalidade inaceitável". O presidente do INEM, Luís Meira, não quer entrar por aí, mas admite que a responsabilidade pela disponibilidade do serviço difere entre hospitais (ler entrevista ao lado).
O JN questionou os hospitais do interior, cujas viaturas médicas estiveram mais tempo indisponíveis em 2021 e o Hospital de Gaia, por ser a surpresa no litoral. Só respondeu a ULS da Guarda. A administração confirmou "constrangimentos em situações pontuais", mas garantiu que "nunca colocaram em causa a resposta do serviço de emergência médica à população". A unidade acrescenta que abriu recentemente um concurso para contratar médicos prestadores de serviço para a VMER. A inoperacionalidade das viaturas médicas está intimamente relacionada com a carência de médicos nas urgências. E este é, como admitiu recentemente, a ministra da Saúde, "um problema complexo" que não se resolve com algumas contratações.
Saber mais
Ambulância não substitui VMER
O Sistema Integrado de Emergência Médica funciona em complementaridade. Nos casos mais graves, é acionada uma VMER e uma ambulância para transporte da vítima ao hospital. Quando a VMER não está operacional e sai apenas a ambulância, o socorro prestado é menos diferenciado. E nem sempre corre bem.
Bebé de oito dias morre em Portalegre
No final de janeiro, um bebé recém-nascido morreu sem socorro diferenciado porque a VMER de Portalegre se encontrava inoperacional por falta de tripulação. Quando os bombeiros chegaram ao local, o bebé estava em paragem cardiorrespiratória e o pedido de ajuda para suporte avançado de vida ficou sem resposta. Transportado ao hospital, o bebé não resistiu.
Acidente com quatro mortos em Évora
No dia de Natal de 2013, um acidente que envolveu dois carros e um cavalo, perto de Évora, causou quatro mortos e quatro feridos graves. A VMER do Hospital de Évora estava inoperacional por falta de tripulação. Em abril do ano seguinte, dá-se outro acidente com dois mortos perto de Reguengos de Monsaraz e a VMER de Évora estava novamente inoperacional. Os casos levaram a tutela a rever a legislação, com o objetivo de garantir a operacionalidade permanente daqueles meios.
Pormenores
Resposta a casos de máxima prioridade
A VMER é o meio de socorro pré-hospitalar mais diferenciado, a par do helicóptero de emergência médica, sendo que este só pode voar com as devidas condições de visibilidade e meteorológicas. Com uma equipa composta por um médico e um enfermeiro e com equipamento de suporte avançado de vida, a VMER dá resposta aos pedidos com prioridade máxima efetuados pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM.
Hospitais obrigados a garantir equipas
Segundo o Despacho 5561/2014, de 23 de Abril, compete aos hospitais (diretor do serviço de urgência, diretor clínico ou conselho de administração) garantir a operacionalidade permanente da VMER.
Hospital de Gaia
Em dezembro de 2021, a VMER deste hospital central teve uma taxa de inoperacionalidade de 6,2% de acordo com o INEM, um valor considerado "inaceitável" pelo presidente do colégio da competência em Emergência Médica da Ordem dos Médicos, Vítor Almeida.
44 viaturas médicas em todo o país
O território está coberto por 44 viaturas médicas de emergência e reanimação (VMER). Estão sediadas em hospitais e as equipas fazem parte dos respetivos serviços de urgência.
24 horas por dia e 365 dias por ano
As VMER têm de estar operacionais todos os dias e horas do ano para responderem às chamadas do CODU.
135 dias paradas
No total, as quatro viaturas médicas sediadas nos hospitais da Guarda, Covilhã, Castelo Branco e Portalegre estiveram um total de 3254 horas inoperacionais. Dezembro foi o mês pior: em 31 dias, a VMER da Guarda esteve indisponível 277 horas.