Um ano depois do terceiro acórdão do Tribunal Constitucional a apontar inconformidades do crime de maus-tratos e de abandono de animais com a Lei Fundamental, a Assembleia da República encontrou o consenso necessário para que o problema seja ultrapassado. Tudo indica que o direito ao bem-estar animal venha a ser consagrado no artigo 66.º da Constituição, limpando-se, assim, a lei de 2014 de qualquer inconstitucionalidade.
Corpo do artigo
Ainda não está acertado, em definitivo, como será incluída na Constituição a promoção do bem-estar animal. Mas é unânime que esse direito tem que ser consagrado, para que os maus-tratos a animais e o abandono continuem a ser um crime, passível de ser punível com pena de prisão.
A questão tem sido tratada no grupo que está a discutir a revisão constitucional, depois de ter sido entregue no Parlamento uma petição com 92 889 assinaturas. A petição surgiu na sequência de três acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) a apontar inconformidades com a Lei Fundamental no diploma que criminaliza os maus-tratos de animais.
A existência desses acórdãos fez com que, a 18 de janeiro passado, o Ministério Público pedisse ao Tribunal Constitucional que declarasse a inconstitucionalidade da lei de 2014. Um pedido que levou o presidente da República a fazer um apelo ao Parlamento, no passado dia 21 de janeiro, quando uma manifestação pelo bem-estar animal juntou milhares de pessoas.
Novos juízes no TC
O apelo de Marcelo Rebelo de Sousa foi, imediatamente, acatado pelos partidos, que apresentaram propostas de alteração à Constituição. O PSD não avançou com qualquer diploma, mas está disponível para resolver o problema. "Apesar de não termos avançado com qualquer medida, entendemos que é possível fazer uma revisão que mantenha os maus-tratos a animais como sendo um crime", garante o deputado social-democrata Hugo Oliveira.
Numa das últimas reuniões da comissão de revisão constitucional, o tema foi consensual e registou-se abertura para ser aceite a proposta do PS, para a inclusão do bem-estar animal no artigo 66.º da Constituição, referente ao Ambiente e Qualidade de Vida. "Todas as tomadas de posição de outros partidos indicam que há uma maioria", considera o deputado socialista Pedro Delgado Alves.
O PAN insiste, contudo, em incluir a matéria também no artigo 90.º, referente às Tarefas Fundamentais do Estado. Essa pretensão criou acesa discussão, por alguns partidos temerem que possa impedir atividades como a tauromaquia.
A porta-voz do PAN teme, porém, que não bastará rever a Constituição. "Não retira a possibilidade do Tribunal continuar a ter interpretações diferentes sobre a lei em vigor", crê. O PSD está à procura de uma solução para a lei de 2014. O PS confia que a entrada de novos juízes no TC seja suficiente, pois a inconstitucionalidade tinha ido, sobretudo, apontada pelo presidente e vice-presidente, que já foram substituídos.
Saber Mais
Crime há nove anos
Em 2014, foi uma petição com 100 mil assinaturas que deu origem à aprovação da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, que criminalizou os maus-tratos e o abandono de animais de companhia.
Sanções acessórias
Um ano depois, com a Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto, foi definido o quadro de penas acessórias aplicáveis aos crimes contra animais de companhia. E, com a terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, foi aprovado o regime jurídico de criação, reprodução e detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos.
Estatuto jurídico
Com a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, foi alterado o Código Civil para se reconhecer aos animais um estatuto jurídico próprio, dissociando-os do regime de coisas e reconhecendo, no artigo 201-B do Código Civil que "os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza".
Código Penal
Tem sido o artigo 387.º do Código Penal que tem suscitado a inconstitucionalidade. Esse artigo dita que "quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias".