INSA avaliou impacto da pandemia em crianças dos 6 aos 8 anos. Dos hábitos alimentares ao sedentarismo, passando pela saúde mental, estudo desmonta repercussões nos mais pequenos.
Corpo do artigo
É o retrato do "impacto brutal" de meses de confinamentos, de incertezas, de medos. Numa franja da população - 6 aos 8 anos - pouco ouvida e estudada. Mais consumo de alimentos processados, agravamento do sedentarismo, aumento das desigualdades sociais, menos diversão com os amigos. Apenas alguns dos resultados do estudo "COSI/Covid-19: Impacto da pandemia nos comportamentos associados ao estilo de vida de crianças em idade escolar", na Europa e em Portugal, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA). Que devem servir de alerta.
"A pandemia alterou completamente os estilos de vida de milhões de famílias e crianças. Este estudo confirmou muito do que eram as nossas suspeitas. E levantou outras questões importantes, que mudam o nosso olhar sobre o futuro", explica, ao JN, Ana Rito, investigadora do INSA e coordenadora do COSI. Vincando a "transversalidade do estudo", com a pandemia "a afetar as crianças de forma tão idêntica". Estivessem elas na Croácia, no Cazaquistão ou em Portugal.
No nosso país, foram avaliadas 6205 menores, dos 6 aos 8 anos, em 226 escolas do 1.º Ciclo, no ano letivo 2021-22. Tendo sido também analisados 12 países que integram a região europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS). Debruçando-se sobre o impacto da pandemia (2020-22) em seis dimensões face ao período pré-pandémico.
No campo do consumo alimentar, fica-se a saber que os pais reportaram um aumento do consumo de snacks salgados e doces (+20% e +14,4%, respetivamente). Aumentando a proporção de pais a percecionar a sua criança com excesso de peso (de 7,3% para 13,7%).
Por outro lado, dão-nos, também, a noção "do aumento do sedentarismo infantil, absolutamente estrondoso", nas palavras de Ana Rito. Com 49% das crianças, que na altura estavam no pré-escolar, a aumentar o tempo frente à televisão, ao computador e nas redes sociais, no que a investigadora classifica de "contrassenso". Sendo que quando questionados se a "criança divertia-se com os amigos", a percentagem de pais que respondeu "muito frequentemente" caiu para 24%, face aos 51,2% antes da covid nos trocar as voltas.
Desigualdades sociais
Mais grave, aponta a coordenadora, são os dados que mostram a perda de rendimentos e as dificuldades financeiras das famílias durante a pandemia. Aumentando "severamente as desigualdades sociais", com famílias que já tinham baixos rendimentos a verem "a sua situação agravada", com "todo o reflexo no comportamento das crianças".
E se o COSI é um sistema de vigilância nutricional infantil, o presente estudo, mais do que os números da obesidade, que serão conhecidos no verão, quis "olhar para as causas". Perante estes resultados, Ana Rito questiona: "Que geração de adultos vamos querer em Portugal?". Defendendo a investigadora do INSA que tal deve estar no "topo da agenda política", requerendo um "investimento muito grande" e "multidisciplinar".
Saber mais
Fruta e legumes
Algarve (15,3% e 10,7%), Açores (15,1% e 7,4%) e Lisboa e Vale do Tejo (13,5% e 8,7%) foram as regiões onde se registou o maior número de pais a reportar um aumento do consumo de fruta fresca e legumes, respetivamente.
Comparação
Além de Portugal, apresentaram já resultados 12 países da região europeia da OMS (Azerbaijão, Croácia, Eslováquia, Geórgia, Itália, Cazaquistão, Malta, Montenegro, Polónia, Roménia, São Marino e Uzbequistão), verificando-se uma tendência nos resultados. No total, o estudo do Centro Colaborativo da OMS para a Nutrição e Obesidade Infantil, do qual o INSA faz parte, conta com a participação de 29 países.
29,7%
Prevalência de excesso de peso em crianças portuguesas dos 6 aos 8 anos em 2019, de acordo com a 5.ª ronda do COSI. Em 2008 estava nos 37,9%.