Autarcas sem Internet, estradas que cortam o "pio", empresas perdidas e aldeias sem voz. As telecomunicações no Interior continuam devagar, devagarinho, confirmam os estudos.
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É possível um presidente de Câmara não ter Internet e rede de telemóvel no seu gabinete? Em Miranda do Douro foi, durante algum tempo, no espaço da presidência e no resto dos Paços do Concelho. "Tivemos de reclamar com o operador para arranjar uma solução extraordinária, mas não foi fácil, porque nesta região, em matéria de telecomunicações, é tudo difícil", desabafa Artur Nunes, líder camarário e da Comunidade Intermunicipal (CIM) das Terras de Trás-os-Montes. A voz que amplifica as queixas das deficientes infraestruturas digitais que existem no Interior e nesta região que inclui nove municípios do distrito de Bragança e onde residem 110 mil pessoas.
Convém é que as queixas não sejam feitas em andamento. "Não temos cobertura nas estradas, nem mesmo nas principais. Quando vou no IP2 ou no IC5, tenho de ligar seis e sete vezes para a mesma pessoa porque a chamada está sempre a cair devido às quebras na rede", conta Artur Nunes.
Os últimos estudos confirmam. Durante 2020 e no início deste ano, a Anacom avaliou o desempenho dos serviços de voz e dados dos três operadores (Meo, Nos e Vodafone) e concluiu que "nas áreas predominantemente rurais observa-se uma acentuada degradação, tanto no serviço de voz (chamadas), como nos serviços de dados (Internet), sendo os ritmos médios cerca de metade dos registados nas áreas predominantemente urbanas", referiu, ao JN, o presidente da Autoridade de Comunicações, Cadete de Matos.
Se houvesse roaming...
Este diagnóstico é igualmente confirmado pelas 92300 reclamações chegadas à Anacom contra prestadores de serviços de comunicações eletrónicas e postais registadas entre 19 de março de 2020 e a mesma data deste ano. "Um dos principais problemas relatados prende-se com a falta de cobertura móvel ou de redes fixas em determinadas localidades, que aumentaram durante a pandemia", refere a Anacom. "Muitas queixas são dirigidas pelas juntas de freguesia, câmaras e outras entidades locais, sendo que uma parte significativa é originária de localidades do Interior", confirma Cadete de Matos.
O presidente da Câmara de Miranda do Douro sente-o no seu território. "A maior parte das nossas empresas ainda usa ADSL, não têm telecomunicações por fibra e é por isso que muitas não se instalam aqui. Pior, muitas têm saído daqui porque não há infraestruturas digitais", garante.
E não há, justifica o presidente da Anacom, "porque a legislação não obriga a que exista uma cobertura da totalidade do território e da população e, assim sendo, os operadores investem onde existem mais clientes, nas principais localidades, para terem mais lucro".
A situação, considera o líder transmontano, poderia ser substancialmente melhorada se houvesse "roaming" nacional, uma partilha das redes pelas operadoras. "Antes de resolver o 5G, a Anacom deveria de uma vez por todas resolver a questão do roaming nacional, ou seja, a possibilidade do cliente aceder à rede mais vantajosa automaticamente, consoante o local onde se encontrasse, independentemente de ser cliente da Meo, Vodafone ou Nos. Se eu sou cliente da operadora A, mas em alguns locais por onde ando só há rede da B ou C, devo ter acesso a essa rede. É assim que funciona o roaming internacional. Depois, as operadoras que acertem entre elas as contas de utilização dos clientes, mas estes é que não podem ficar prejudicados", critica Nunes.
O presidente da Anacom concorda e lamenta nada poder fazer legalmente nessa matéria. "Esta recusa é irracional porque, se partilhassem as redes, lucrariam mais com as chamadas dos concorrentes. Esta postura visa criar uma barreira à entrada de novos operadores", afirma Cadete de Matos. A situação, acredita, poderá mudar com o 5G.