Investigadores do MARE - Ipsa (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente - Instituto Universitário) concluíram que a exposição a temperaturas elevadas poderá ter elevados custos e comprometer a espécie cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus), que nidifica em Portugal no estuário do Sado e na Ria Formosa.
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Os investigadores do ISPA realizaram um estudo sobre o efeito do aquecimento dos oceanos no comportamento e fisiologia do cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus).
Os cavalos-marinhos utilizados no estudo provêm do estuário do Sado, que contém uma das maiores biodiversidades da Europa. "O maior núcleo de cavalos-marinhos, em Portugal, situa-se na Ria Formosa. A verdade é que não se conhecem outros locais no país por mero desconhecimento das populações existentes. Foi por isso que escolhemos o Sado por ter as 'pradarias-marinhas', que são o local de preferência dos cavalos-marinhos", explica Ana Faria, coordenadora do estudo e investigadora no MARE-Ipsa.
A investigadora explicou ao JN que o estudo foi realizado com 22 indivíduos da espécie (11 machos e 11 fêmeas), em seis aquários e em condições laboratoriais controladas. Cada casal foi depois testado em três tipos de aquário, cada um deles com temperaturas diferentes: o primeiro com uma temperatura média do estuário do Sado nesta época do ano (17ºC); o segundo tinha uma temperatura intermédia que não é tão habitual, mas comum (20ºC); e o último simulou a temperatura máxima que a água pode atingir no final do século XXI (24ºC).
Mudanças de temperatura afetam comportamento
O que os investigadores descobriram é que as temperaturas afetavam o comportamento da espécie. Fizeram-no mediante termostatos para medir a temperatura da água, a alimentação dada que foi recolhida no habitat natural e um etograma da espécie (que contém um portefólio de comportamentos comuns, como a corte, o nadar ou ficarem fixos no fundo do mar).
"Apesar dos cavalos-marinhos terem resiliência térmica e capacidade de adaptação a curto prazo, o gasto de energia que a exposição a temperaturas mais elevadas pode acarretar, a médio-longo prazo, poderá trazer consequências ao nível do crescimento e sobrevivência da espécie", explica Ana Faria.
Os investigadores também se aperceberam que os indivíduos expostos às temperaturas mais elevadas revelaram maior atividade e maior ingestão de alimento. "No entanto, este aporte energético extra não foi suficiente para suprir as necessidades provocadas pelo stress térmico, tendo-se observado a perda de peso nestes casais", refere Miguel Correia, investigador do MARE-Ispa e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN [SPS SG]).
Um habitat em risco
Além dos cavalos-marinhos-de-focinho-comprido, o estuário do Sado também contém uma comunidade populacional de cavalos-marinhos-comuns (H.hippocampus). No entanto, os investigadores alertam que pouco se sabe sobre a sua distribuição, abundância, densidade, diversidade, ameaças ou a sua relação com o habitat. Em Portugal, as populações da Ria Formosa são as mais estudadas, e na última década sofreram uma redução na ordem dos 90%.
Estas espécies, assim como o seu habitat preferencial (pradarias de ervas-marinhas), estão ameaçadas e são protegidas por leis nacionais e internacionais. "O que acontece é que as criaturas estão protegidas nas águas do estuário, num habitat que tem imenso potencial para a captura de dióxido de carbono que existe na atmosfera. Mas, por serem uma espécie sedentária que não se dispersa, estão mais suscetíveis às alterações daquele meio e à ação do Homem", elabora Ana Faria.
Gonçalo Silva, outro investigador, reforça que "é absolutamente urgente e fundamental recolher dados científicos sobre os cavalos-marinhos no estuário do Sado, para que se possam tomar decisões e aplicar medidas de mitigação e de conservação, com base científica. Para além da necessidade de conservação destas espécies que estão em perigo, o seu carisma perante a sociedade faz delas espécies-bandeira, usadas em ações de sensibilização e de conservação da biodiversidade marinha, gerando um efeito positivo como um todo".
O regresso a casa
Depois da sua estadia no Biotério de Organismos Aquáticos do ISPA, os cavalos-marinhos foram devolvidos ao estuário do Sado com o apoio da Reserva Natural do Estuário do Sado - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O regresso decorreu na passada quarta-feira junto ao empreendimento Sol Troia, Setúbal.