Eleitores sem infeção podem não sentir segurança para irem à mesa de voto, alertam. Há quem defenda locais de sufrágio só para pessoas infetadas.
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A votação presencial dos isolados está a gerar reservas entre os autarcas, que temem um aumento da abstenção nas legislativas. Isto porque os eleitores sem covid podem não se sentir seguros na deslocação a uma assembleia de voto e acabar por ficar em casa. Há autarcas que preferem a criação de mesas dedicadas, incluindo na modalidade de "drive-thru". Se a opção for por um horário distinto, então sugerem que ocorra ao final do dia, entre as 18 e 19 horas.
O Governo pondera o estabelecimento de um horário específico para que os infetados possam votar no dia 30, mas a proposta não gera consenso entre quem tem de colocá-la em prática: os municípios. A lei já permite que os infetados e os isolados votem. Têm de inscrever-se entre 20 e 23 de janeiro e, entre os dias 25 e 26, as brigadas municipais irão aos domicílios recolher os votos. A solução deixa de fora os eleitores cujo isolamento seja decretado na última semana do mês. A estimativa do Governo é de que, à data das legislativas, estejam 383 mil pessoas confinadas. E é, para estes, que o Governo equaciona fixar um horário para a votação presencial. Mas, receiam os autarcas ouvidos pelo JN, poderá afastar outros eleitores.
"O ideal é ter mesas dedicadas aos eleitores isolados para não minar a confiança ou criar insegurança entre os restantes eleitores. Caso seja determinado o voto presencial, temos condições para criar um conjunto de mesas paralelas e até é mais fácil do que o modelo de recolha de votos ao domicílio", entende Ricardo Rio. O autarca de Braga adverte que nunca poderão prescindir da recolha de votos dos eleitores em lares ou com mobilidade reduzida.
Gaia já prepara alternativa
O município de Gaia já trabalha nesse cenário. "A Comissão Nacional de Eleições (CNE) disse que têm de votar e ponto final e gerou o pânico. Todas as decisões da CNE implicam logística e, por isso, já estamos preparados para as duas coisas: a recolha de votos nos lares e nas casas através de 44 brigadas e ter mesas específicas para que as pessoas isoladas possam votar", frisa Eduardo Vítor Rodrigues, certo de que, não sendo possível alterar o horário de funcionamento das assembleias (das 8 às 19 horas), "a melhor solução é abrir mesas de voto específicas".
"Misturar pessoas positivas com cidadãos sem covid só vai aumentar a abstenção. Vai criar uma grande confusão e prejudicar o sistema eleitoral", concorda o presidente do município de Gondomar. Marco Martins sugere que a votação dos isolados decorra no dia 29 em modelo "drive thru" (à semelhança de outros países europeus), recorrendo às estruturas já montadas para a testagem nos concelhos. Ou seja, o eleitor não teria de sair do carro para votar. Fazendo-se no dia 29 de janeiro, "permite a descarga dos eleitores que já votaram no caderno eleitoral" a tempo do sufrágio, que decorre no dia seguinte.
Ir às casas de todos no interior
Já Fernando Queiroga, que lidera Boticas, vê com dificuldade a criação de mais mesas de voto no Interior. "Já é difícil fazer uma mesa", desabafa. Estabelecer um horário distinto para os isolados pode ser um caminho, preferindo que ocorra ao final da tarde.
No entanto, propõe o autarca, nos municípios mais pequenos, é possível recolher em casa os votos de quem ficar confinado na última semana de janeiro. Essa é a solução que prefere. "A delegação de Saúde dá-nos a listagem de quem está em isolamento e as brigadas da câmara vão recolher os votos de quem não teve oportunidade de inscrever-se" até ao dia 23.
Já o presidente da Câmara de Mafra e líder dos autarcas do PSD, Hélder Sousa Silva, entende que a reserva da "última hora" do dia de votação para os confinados "é uma medida possível para mitigar" o problema. Os presidentes das câmaras de Caminha, Póvoa de Varzim, Viseu, Vila Real e Cascais garantem que, se, em última instância, a opção for pela criação de locais separados, estão em condições de fazê-lo, embora, ontem na audição da ministra da Administração Interna aos partidos com representação parlamentar, o Governo tenha apontado a proposta de fixação de um horário para o voto presencial dos isolados.
"Qualquer solução será boa, desde que seja tomada atempadamente e seja clara", avisa Carlos Carreiras, de Cascais. "Se necessário, criaremos alternativas para as pessoas confinadas votarem", diz Miguel Alves, de Caminha. Já Ribau Esteves, autarca de Aveiro, lamenta que, mais uma vez, não se tenha avançado com a regulamentação do voto por correspondência para os cidadãos isolados, residentes em Portugal. Aliás, lembra, milhares de portugueses no estrangeiro votam por correspondência. A presidente da Associação de Municípios, Luísa Salgueiro, reserva uma posição depois de conhecido o parecer da Procuradoria-Geral da República.
Estimativa
Governo prevê mais de 383 mil isolados à data das legislativas
A ministra da Administração Interna, que incentiva os eleitores à inscrição no voto em mobilidade (podem votar antecipadamente no concelho que quiserem no dia 23), estima que, à data das legislativas, estarão 383 346 pessoas isoladas, o mesmo número de eleitores confinados nas eleições presidenciais (que decorreram em janeiro de 2021). Nessa altura, apenas 4% dos isolados exerceram o direito ao voto domiciliário. A baixa adesão não deve, no entanto, servir de argumento para nada fazer, impedindo que muitos cidadãos isolados possam votar.
Saber mais
428 mil pessoas em confinamento
entre os dias 2 e 8 de janeiro. As novas regras de isolamento reduzirão em 19% o número de confinados por contacto de risco e em 30% o número de isolados por estarem infetados.
"Drive thru" lá fora
A votação em modalidade de "drive thru" para os eleitores confinados já foi adotada na República Checa, na Lituánia, nos Países Baixos e em Israel.