Benquerença tem a parcela mais diminuta dos 465 prédios disponíveis no país. É o retrato vivo do minifúndio e do desinteresse.
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Oito anos e meio após o lançamento da Bolsa Nacional de Terras (BT), apenas 369 prédios rústicos, num total de 7600 hectares foram cedidos (vendidos, arrendados ou trocados). Lançada em maio de 2013 para ajudar proprietários a colocar terrenos que não conseguem cultivar e candidatos à lavoura ou à floresta ou a expandir as suas explorações, caiu no marasmo: há 465 prédios por ceder, num total de pouco mais de 1300 ha, e até as entidades promotoras estão descrentes.
Os melhores terrenos já foram cedidos e os menos bons e de reduzidas dimensões estão há largos anos sem destino. Basta atentar na dimensão média (20,8 ha) dos primeiros e na região onde mais se negociaram - o Alentejo. Os distritos de Beja, Évora e Portalegre somam 44,4% dos prédios e 72,1% da área total cedida, nos cálculos do JN. Só a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva colocou 99 terrenos, com 1087,96 ha.
No distrito de Évora, a dimensão média dos 22 prédios cedidos foi de 157,2 ha, nada comparável com a média de 10,3 ha dos 13 ainda disponíveis. Os 465 ainda disponíveis representam uma dimensão média de 2,9 ha, e 256 têm menos de 1 ha. Outra comparação: o prédio de menores dimensões disponível no início de 2014 tinha 400 metros quadrados; o mais pequeno hoje não passa dos 40.
"Nunca houve grande interesse"
"Nos últimos dois anos, a bolsa deixou de ter dinamismo", em parte porque os melhores terrenos já foram cedidos, diz o coordenador técnico da Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri), Augusto Nobre Ferreira.
A Confagri é uma das 247 entidades autorizadas para atos de gestão operacional (GeOp) da BT e lidera uma parceria com outras 52. Foi "um projeto inovador que permitiu facilitar contactos entre interessados", mas a maior parte dos negócios foi feita entre particulares, gorando o "objetivo de criar um observatório de preços".
A BT "tem potencial para angariar ainda mais", diz Nobre Ferreira. Mas a reduzida dimensão, a falta de registo, o desconhecimento do proprietário, etc. são obstáculos. "Quem quer instalar-se necessita de dimensão, ou não consegue tirar rendimento".
"Nunca foi atrativa, nem para quem queria disponibilizar terras, nem para quem eventualmente estivesse interessado e os números falam por si", diz Adélia Vilas Boas, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), com 15 parceiras. "Não houve grande interesse", por causas "mais ligadas às questões de rentabilidade - preços ao produtor baixos, falta de políticas de investimento e desenvolvimento, particularmente para a agricultura familiar".
Novo modelo em estudo
A própria BT caiu no marasmo. "A sexta e última reunião do Grupo de Acompanhamento realizou-se em 4 de maio de 2017", afirma Adélia Vilas Boas. O diretor-geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, Rogério Lima Ferreira, que reconhece decréscimo da disponibilização de prédios desde esse ano, justifica "não ter havido factos relevantes que motivassem" mais reuniões, pelo "facto de se encontrar em fase de delineamento da nova dinâmica a imprimir".
Para o coordenador da Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local - Minha Terra, que agrupa outros 39 parceiros, "os números e áreas disponibilizados e cedidos são baixos (se excluirmos os prédios públicos) e pouco relevantes" e os propósitos da BT "apenas parcialmente conseguidos".
Abundam os prédios em regime de minifúndio, pouco atrativos, explica Luís Chaves, defendendo a "prioridade política renovada", com dotação das estruturas com recursos técnicos e financeiros e a relação com o cadastro e políticas de desenvolvimento rural.
O diretor-geral promete mudanças. Para "aumentar o conhecimento dos agentes económicos e do público em geral acerca da BT, estão previstas sessões de divulgação" e está "em estudo uma nova abordagem do modelo". Lima Ferreira espera angariar maiores áreas e maior número de entidades, "concorrendo para um melhor levantamento, inventariação e caracterização dos prédios rústicos a disponibilizar".
Chão da Ribeira
A herança inculta de Dália
"O senhor que diz?, acha mesmo que é esse o terreno?". Dália Borges está aflita. "Este não conhecia, não me lembro bem... Vim cá uma vez, com um tio, quando herdei os terrenos, mas já esqueci". A planta de localização cadastral demarca com nitidez a parcela de 40 metros quadrados sob o silvado denso, no Chão da Ribeira, freguesia de Benquerença, em Penamacor.
Confirmando confrontações, o vizinho Álvaro Soares aponta: "O meu é mais ou menos ali, o de Fulano é aqui...". Relidos os nomes dos confinantes, Dália resigna-se: "Sim, é aquele". Perscruta o mosaico de lotes, quase todos abandonados, apesar do solo fecundo mimado pelo regadio da Meimoa - "o ideal para hortícolas!", afiança o presidente da Junta de Freguesia, Álvaro Gil Leitão.
"É muito complicado, tantos terrenos pequenos, colados uns aos outros", nota Dália. "Só eu tenho mais de 40", atalha Soares, "nalguns não cabe um carro". É o produto da divisão das pequenas terras ao longo de gerações, fragmentadas, dispersas e muitas ao abandono.
Ele próprio trata apenas um olival e uma horta. "Se o emparcelamento tivesse sido feito!". Sempre teria direito a uns cinco hectares. "Já valia a pena".
Gil Leitão só vê remédio na retoma do emparcelamento, frustrado há 13 anos. "Muitas pessoas acharam que não manteriam o olival ou a vinha plantados pelos pais, ou que ficariam prejudicadas", conta. É "o apego pelos terrenos dos antepassados, associado ao reduzido encargo que representam", de que fala o diretor-geral da Agricultura.
Dália tinha cinco anos quando deixou a aldeia. Viveu seis décadas na região de Lisboa e nunca cultivou um palmo de solo. Nas partilhas, coube-lhe a casa paterna e 12 terrenos abandonados. Colocou dez na BT, em 2014.
Há pouco mais de um ano, regressou a Benquerença. Ali vive da reforma, como 65% dos 463 habitantes, com os terrenos por vender. "As pessoas querem-nos dados", critica.