O líder parlamentar do PS acusou o primeiro-ministro de estar a governar em coligação com o Chega, considerando que André Ventura é um “agente de transformação” do PSD por fora.
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“Há uma frase que pode parecer provocadora, mas que eu penso que reflete a realidade política desta legislatura até ao dia de hoje. É o regresso do doutor André Ventura ao PSD, mas é um regresso onde o doutor André Ventura percebeu que é mais fácil transformar o PSD por fora do que por dentro”, defendeu, em entrevista à Lusa, Eurico Brilhante Dias.
Na perspetiva do líder da bancada do PS no parlamento, “há uma alteração da natureza” do partido liderado por Luís Montenegro e o presidente do Chega, que já foi militante social-democrata, é agora “um agente de transformação do PSD por fora”.
“Para a frente não sabemos o que vai acontecer, mas até hoje o doutor Luís Montenegro governa com o doutor André Ventura em coligação de facto”, condena.
Ironizando que “nem o Governo é a Carochinha” nem o PS “é o João Ratão”, Brilhante Dias aponta que a “realidade palpável e factual” é que o primeiro-ministro escolheu “governar com a extrema-direita”.
“Como partido democrático que serve este país, como oposição democrática, nós temos uma obrigação: a de construir uma alternativa e a de dizer aos portugueses que, assuntos centrais da sua vida devem ser discutidos por gente democrática, moderada, credível, como é o secretário-geral do PS”, defende.
O dirigente do PS refere “um acordo desmentido e depois confirmado na lei de estrangeiros, na lei da nacionalidade e no IRS” como exemplos da opção do executivo até agora de “governar com a extrema-direita”, temas em relação aos quais garante que o PS sempre mostrou disponibilidade para dialogar.
“Foi uma opção de Luís Montenegro, que quis entender-se com a extrema-direita. É uma opção própria, que os portugueses olharão e vão seguramente julgar mais tarde”, enfatiza.
Recordando que o PS “nasceu na clandestinidade e no combate à ditadura”, Brilhante Dias afirma que os socialistas têm “uma obrigação democrática de dizer ao PSD que não tem que ficar nas mãos da extrema-direita para governar”.
“Nós não somos parceiros do Governo. Nós somos um partido democrático responsável. Oposição firme onde temos que ser oposição firme, capacidade de diálogo nos temas que são centrais para a vida dos portugueses e para a vida da República Portuguesa”, assegura.
Segundo o líder parlamentar socialista, ao contrário do primeiro-ministro, para o PS as “ideias antissistema democrático” que acusa o Chega de ter “não são normalizáveis”.
Acusa Aguiar-Branco de permitir "discurso de ódio"
O líder parlamentar do PS acusou o presidente da Assembleia da República de permitir o “discurso de ódio” dentro do parlamento, considerando que este caminho tem contribuído "para a degradação do debate”.
“Nós podemos dizer tudo, mas não podemos ser porta-vozes do discurso de ódio e do discurso da discriminação. Ora, isso leva a uma enorme tensão dentro do hemiciclo, porque isso significa que quem quer propagar o ódio pode dizer tudo o que quer e isso leva a um confronto evidente”, critica, em entrevista à Lusa, Eurico Brilhante Dias.
Na perspetiva do socialista, “esse confronto evidente” tem tido no presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, “não necessariamente um defensor da liberdade de expressão, mas um defensor de que dentro do parlamento pode haver discurso de ódio”.
Eurico Brilhante Dias “discorda profundamente” dessa postura que atribui ao presidente do parlamento porque “isso não é liberdade de expressão”.
“Isso é autorizarmos os deputados dentro do parlamento a fazer uma coisa que nós, fora das portas do parlamento, sabemos que é um crime. É crime ter discurso de ódio”, critica.
Para lá do apreço pessoal que manifesta por Aguiar-Branco e do contributo que considera que tem dado a Portugal nas últimas décadas, o líder parlamentar socialista afirma: “Não deixo de dizer que o caminho levado tem sido também um contributo para a degradação do debate dentro do parlamento”.
“E daqui não vamos sair seguramente com posições convergentes com o presidente da Assembleia da República, que a partir desta posição tem (…) mais flexibilidade perante o comportamento, em particular, da bancada de extrema-direita, do que perante o comportamento de outras bancadas à esquerda, não necessariamente sequer do PS”, condena.
Recusando afirmar que Aguiar-Branco seja “corresponsável ou cúmplice”, Brilhante Dias aponta que o presidente do parlamento “tem gerido o debate parlamentar de forma a que o discurso de ódio tem tido espaço dentro do plenário, com as reações evidentes das bancadas mais à esquerda” e até do próprio PSD, recordando intervenções do antigo deputado André Coelho Lima.
“Nós não vamos conseguir regressar aos anos em que a linguagem parlamentar e o debate parlamentar, que teve sempre os seus excessos, seja feita em parâmetros digamos dos anos 80 ou dos anos 90, mas é evidente que temos que fazer esse esforço, esse combate e essa pedagogia”, apela.
Para o socialista, “essa pedagogia democrática precisa de uma Mesa da Assembleia da República que tenha uma presença diferente”.
“E eu acho que é uma boa reflexão de férias do senhor presidente da Assembleia da República”, aconselha.
Remete posição sobre OE2026 para outubro
O líder parlamentar do PS remete uma posição do partido sobre o próximo Orçamento do Estado para quando o Governo o entregar, em 10 de outubro, data para qual antecipa “mais uma cena eleitoralista”, dois dias antes das autárquicas.
“Não antecipo que o PS tenha muito a dizer sobre o processo orçamental sem conhecer o orçamento. Esperaremos o momento oportuno”, afirmou Eurico Brilhante Dias, em entrevista à agência Lusa, quando questionado sobre o Orçamento do Estado para 2026 (OE2026).
O dirigente do PS considera curioso que o Governo tenha marcado as autárquicas para dois dias depois da entrega do orçamento.
“Já tivemos a cena eleitoralista do aumento de pensões em setembro e agora estamos na forte expectativa de mais uma cena eleitoralista a 10 de outubro”, critica.
Remetendo para os órgãos do PS a decisão do partido, Brilhante Dias enfatiza que “a iniciativa orçamental é do Governo” e que é preciso conhecer a proposta para tomar uma opção.
“A iniciativa é do Governo e até esse momento o PS não vai formular, não deve formular uma posição sobre o orçamento", afirma.
Questionado sobre se não haverá negociações prévias como aconteceu no ano passado entre Luís Montenegro e o ex-líder do PS Pedro Nuno Santos, Brilhante Dias escusa-se a responder diretamente e aponta que os socialistas falarão “sobre o orçamento quando o tema for o orçamento” porque o foco, neste momento, são as eleições autárquicas e preparar propostas alternativas em diferentes áreas.
Sobre o que fará o PS caso o Governo convide a sentar-se à mesa das negociações antes da entrega do OE2026, o líder parlamentar socialista considera “pouco provável” que isso aconteça tendo em conta a atitude do executivo.
“Sobre o orçamento não sabemos o que vai acontecer e, por isso, o PS vai pronunciar-se no momento oportuno, provavelmente, quando conhecer as linhas do orçamento”, insiste.
Eurico Brilhante Dias volta a liderar a bancada parlamentar do PS numa situação muito diferente daquela que encontrou quando ocupou este mesmo lugar durante a maioria absoluta de António Costa, estando agora o partido reduzido a menos de metade dos deputados que tinha então.
Sobre os maus resultados eleitorais nas legislativas de 18 de maio, recusa a ideia de uma responsabilidade unipessoal de Pedro Nuno Santos e considera que “é uma responsabilidade do coletivo do PS”.
“Eu apoiei o secretário-geral na sua decisão e fiz campanha ao lado dele para termos o melhor resultado possível. Não entrarei na lógica da culpa de um homem, num determinado momento. Pedro Nuno Santos não merece isso”, enfatiza.
Sobre um eventual incómodo de ter o ex-líder do PS na bancada, o dirigente socialista responde, “meio a brincar, meio a sério”, que Pedro Nuno Santos é talvez o deputado do PS “que mais merece estar no parlamento”.
“Foi seguramente aquele que durante mais dias e de forma mais empenhada lutou para que pudéssemos ter o melhor resultado possível e para ser eleito. E por isso o Pedro Nuno é bem-vindo à bancada, está na bancada, contamos com ele sem acrimónias”, assegura.
Já sobre a polémica que envolve a demolição de barracas em Loures, câmara liderada pelo socialista Ricardo Leão, Brilhante Dias foi questionado sobre a posição do candidato presidencial e ex-secretário-geral do PS, António José Seguro, de que decisões como estas precisam de ser tomadas “com a cabeça, mas executadas com o coração”.
“É muito difícil estar a criticar o Ricardo Leão e dizer que ele não tem coração. O Ricardo Leão tem coração”, defende.
Na opinião de Brilhante Dias, que aponta o dedo ao Governo na falta de respostas nesta matéria, “é uma situação particularmente dura, mas só no PS é que este assunto seria discutido assim”.
“Porque é uma realidade social muito difícil, para o qual os socialistas pedem soluções mais do que de derrubar barracas. Procuram soluções que sejam socialmente justas. E é por isso que é tão bom ser do PS”, observa.