Estudo estima que existam cerca de 300 mil javalis em Portugal e aponta a necessidade de aumentar o número de abates entre 20 a 30% nos próximos 10 anos. Governo vai propor o alargamento dos períodos de caça a "praticamente todo o ano"
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O reforço da caça, alargando os períodos em que a atividade é permitida e aumentado o número de animais abatidos dos atuais 20 mil por ano para cerca de 26 mil nos próximos dez anos, é uma das medidas previstas no plano estratégico e de ação para controlar a população de javalis no país. O estudo, apresentado esta terça-feira, em Évora, propõe também a "profissionalização" de caçadores, para fazer face à redução registada nos últimos anos. Essa diminuição é, aliás, apontada como uma das razões para o crescimento exponencial do número de javalis em Portugal que, segundo o estudo, rondará os 300 mil exemplares, com as regiões do Alentejo, Beira Interior e Trás-os Montes a registarem a maior densidade populacional.
"É uma carga muito acima do que o território nacional consegue suportar. O número apurado evidencia um claro desequilíbrio", afirma ao JN Carlos Fonseca, investigador da Universidade de Aveiro e diretor-executivo do Laboratório Colaborativo ForestWISE, que integrou a equipa que realizou o estudo.
De acordo com Carlos Fonseca, é preciso "aumentar a capacidade de extração [abate]" de javalis, que atualmente ronda os 20 mil animais por ano, entre 20 a 30% (mais 4000 a 6000) no período de cinco a dez anos, de forma a "gradualmente atingir o equilíbrio".
O secretário de Estado da Conservação da Natureza revelou à Lusa que o Governo irá propor o alargamento dos períodos de caça ao javali a "praticamente todo o ano"
"Profissionalização da caça"
Reconhecendo que "as atividades cinegéticas tradicionais não são suficientes" para controlar o aumento da população de javalis, os autores do estudo admitem que a "profissionalização da caça" pode ser um "complemento a curto prazo" às medidas de controlo através dos métodos de batida e montaria. É ainda proposto o prolongamento da época de caça veneratória tradicional e a atribuição de incentivos aos caçadores, como o reembolso parcial de despesas de caça.
Contactado pelo JN, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas não descarta essa proposta, tendo em conta "a diminuição do número de caçadores e o seu envelhecimento". Ao JN, aquele organismo aponta o exemplo de "alguns países onde existem corpos especializados de controlo de densidades de populações de animais selvagens, que atuam sempre que se justifica", e cuja ação está, por norma "limitada a áreas periurbanas".
O ICNF entende, no entanto, que numa primeira fase, além de aumentar o esforço cinegético, "dever-se-á dirigir a caça a fêmeas jovens, monitorizar e avaliar o efeito dessas medidas, promovendo uma gestão adaptativa da população existente".
Provocaram mais de mil acidentes em dois anos
Para além dos estragos nos terrenos agrícolas, o aumento de javalis reflete-se igualmente na sinistralidade rodoviária. Em 2019 e 2020, foram registados pela GNR 1097 acidentes provocados por javalis. Viseu, Évora e Santarém foram os distritos com mais sinistros, tendo sido comunicados 87, 49 e 48 acidentes, respetivamente.
Os dados do estudo foram recolhidos em 16 áreas-piloto, de norte a sul de Portugal Continental, abrangendo 21 zonas de caça e no Parque Natural da Arrábida. A maior densidade populacional foi registada na zona de caça Bicas da Serra, no Algarve, com 15,5 javalis por quilómetro quadrado
A recolha de informação implicou o uso de mais de 400 câmaras fotográficas de infravermelhos e a colocação de armadilhas para captura de animais aos quais foram postas coleiras com GPS, entre outras metodologias.
Peste suína
O javali é um "reservatório transmissor" de nomeadamente da peste suína africana (PSA), pelo que o controlo populacional é também uma medida de saúde pública, defende o estudo.