Câmaras obrigadas a contratar motoristas para levar médicos a casa dos doentes
Profissionais que fazem consultas ao domicílio deixam de poder conduzir os carros que passam para os municípios com descentralização. Há centros sem registo e degradados.
Corpo do artigo
A transferência da propriedade dos centros de saúde para a alçada das câmaras está a obrigar os municípios a contratarem motoristas e táxis para transportar os médicos e enfermeiros que têm de fazer assistência clínica ao domicílio. Este é um dos problemas que constam de uma vasta lista de constrangimentos apontados pelos autarcas ao Governo no âmbito da descentralização da Saúde. Também há edifícios degradados, outros sem contrato de arrendamento ou sem registo e discrepâncias nas transferências de verbas e funcionários.
Mais de 70% dos autarcas não assinaram os autos de transferência de competências na área da Saúde, apesar do Governo ter estabelecido que esta competência e a da Educação teriam de ser aceites por todas as câmaras até hoje. Na base de tantas recusas estão vários problemas, já transmitidos, no passado dia 8 de março, às ministras Marta Temido, da Saúde, e Alexandra Leitão, do extinto Ministério da Modernização pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
O JN teve acesso ao documento de síntese da reunião, onde se leem críticas à necessidade de contratar motoristas para o transporte de médicos e enfermeiros. É que estes profissionais continuam na hierarquia do Ministério da Saúde e, como tal, não há base legal para conduzir os automóveis que passam para as câmaras juntamente com os centros de saúde. "Para além das viaturas a transferir se encontrarem, na generalidade, em fim de vida, com a transferência de competências as mesmas deixam de poder ser conduzidas pelos médicos e enfermeiros que as utilizam nos serviços domiciliário, o que obrigará os municípios a contratar motoristas", lê-se.
Algumas já contrataram
O JN sabe que a maioria das câmaras que já aceitaram a gestão dos centros de saúde contratou motoristas ou serviços de táxi para transportar os médicos. É o caso de Torres Vedras, que recebeu sete viaturas e quatro motoristas há um ano. Para assegurar "uma resposta eficiente", a Câmara colocou ao serviço mais duas viaturas e contratou mais cinco motoristas. Assim, justifica fonte da Autarquia, foi possível prescindir "do recurso a serviços de táxi" que era "prática corrente nos centros de saúde", mesmo antes da transferência de competências.
Em estado "deplorável"
O documento da ANMP enumera outros problemas, como a "identificação errada" dos centros de saúde e edifícios "que não se encontram registados", motivo pelo qual "a titularidade não pode passar para os municípios". Isto acontece mais nas extensões de saúde, onde os espaços "foram cedidos pelas juntas" ou "eram antigos edifícios das casas do povo", explica Emídio Sousa, autarca da Feira, que admite ter este problema.
Há, ainda, "extensões de saúde a funcionar sem contrato de arrendamento" e outras com "arrendamentos em final de prazo", sendo que o ónus de repor o edifício nas condições originais, anteriores à locação, recai sobre as câmaras, como é referido no mesmo documento. Isto, quando muitos "deixaram de ter obras de manutenção nos últimos dois anos, porque se aguardava a transferência de competências", acusaram os autarcas.
Em Cantanhede, confirma fonte do Município, há edifícios que "estão num estado deplorável e a Câmara não quer aceitar o ónus" de requalificá-los sem a contrapartida financeira atualizada.
Outro dos problemas denunciados ao Governo é a "classificação de equipamentos em bom estado, não obstante não funcionarem há dez anos". Um destes casos acontece em Boticas, onde o presidente da Câmara, Fernando Queiroga, confirma que "não foi feita a avaliação do imóvel, do seu conteúdo e do estado de degradação", exemplificando com o ar condicionado que não funciona e, no auto de transferência que o autarca se recusa a assinar, o Governo avalia-o como funcional.
O Ministério da Modernização liderado pela ministra Alexandra Leitão, que ontem deixou de estar em funções, recusou responder às questões colocadas pelo JN.