S. João e Gaia voltam a bater recordes de afluência. Responsáveis pedem regulação do acesso para proteger os doentes graves.
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Foi mais uma segunda-feira negra em várias urgências do país, com picos de afluência que não se viam há muitos anos. No S. João, no Porto, repetiu-se o pior dia desde 2009. Em Gaia, atingiu-se o "pico dos picos" de toda uma década. Responsáveis daqueles dois hospitais do Norte defendem que "é imprescindível regular o acesso", fechando a porta aos doentes pouco ou nada urgentes que chegam por iniciativa própria, sem referenciação da linha SNS24, dos cuidados primários ou do INEM. O objetivo é garantir a qualidade do atendimento a quem realmente precisa.
Com 981 atendimentos na Urgência, o Hospital de S. João igualou, na segunda-feira, a procura registada a 16 de novembro do longínquo ano de 2009. Quase 400 daqueles doentes (40%) foram triados com pulseiras azuis ou verdes, o que significa que deveriam ter sido atendidos nos centros de saúde. Se triados pela linha SNS24, muitos teriam ficado em casa.
Em Gaia, há pelo menos 10 anos que não se via nada igual: 736 atendimentos, foi "o pico dos picos", como classifica o presidente do Conselho de Administração do hospital. "É impossível gerir um Serviço de Urgência assim", assegura Rui Guimarães.
As segundas-feiras são tradicionalmente difíceis e a pressão não é exclusiva dos dois hospitais. O Amadora-Sintra recebeu 947 doentes, ligeiramente abaixo do recorde atingido na segunda-feira anterior (975). No Hospital de Santa Maria, a situação melhorou anteontem, mas ainda assim a procura rondou os 700 casos.
Limitar acesso ou impor preço
Os números servem de barómetro do nível de disfunção de um sistema "superdependente" das urgências. Desde janeiro, o hospital de Gaia soma cerca de 32 mil episódios naquele serviço, dos quais 27 mil ocorreram por iniciativa própria do doente, sem referenciação. A única solução, diz Rui Guimarães, é a regulação do acesso: "é preciso coragem para impor regras, para ir além dos projetos-piloto", é preciso legislar no sentido de vedar os serviços de Urgência a quem não tem referenciação do SNS24, do centro de saúde ou do CODU do INEM. É isto ou impor ao utente não urgente que chega sem estar sinalizado um copagamento pelo episódio, acrescenta. O importante, diz, é que as pessoas percebam que queremos proteger os doentes graves, aqueles que realmente precisam de ser atendidos na Urgência.
O diretor da Unidade Autónoma de Urgência e Medicina Intensiva do Hospital de S. João corrobora. "É imprescindível regular o acesso, não podemos continuar com esta barbaridade de termos 900 doentes por dia", assume, considerando, porém, que tal mudança não pode ocorrer num só dia, necessita de uma intervenção multifatorial. Que passa por apostar na literacia em saúde, na qualificação dos cuidados primários e dos recursos das urgências, bem como noutros níveis de resposta aos doentes agudos, como os cuidados domiciliários, sustenta Nélson Pereira.
Também o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, defende "soluções estruturadas" para resolver o "problema crónico" da procura dos serviços de Urgência, que "tardam a ser implementadas".
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Médico de família
Há cerca de 1,17 milhões de utentes sem médico de família, mas não é a única razão para a sobrelotação das urgências. "Se o problema fosse só esse, não teríamos urgências cheias no Norte", diz Nélson Pereira, aludindo à cobertura quase total de médicos de família na região.
60% não urgentes
Nas últimas duas semanas, os episódios de urgência do Hospital Amadora-Sintra aumentaram 14% face a fevereiro. O número de casos este mês é 65% superior ao registado no período homólogo de 2021, refere a unidade, acrescentando que cerca de 60% dos doentes são não urgentes.
Centros de saúde
As restrições no acesso aos cuidados de saúde primários "continuam a existir" e são uma das razões apontadas pelo presidente da associação de administradores hospitalares para a procura exagerada das urgências.