Associações temem subida das rendas para os portugueses. Novo visto pode ser pedido a partir de hoje.
Corpo do artigo
As câmaras municipais estão motivadas com o retorno financeiro que os nómadas digitais, cada vez mais presentes em Portugal, estão a trazer para os territórios. As autarquias têm estratégias delineadas para atrair estrangeiros que trabalham a partir de qualquer lugar do Mundo, bastando um computador e uma boa ligação à Internet. O objetivo é fixá-los, por alguns meses, nos municípios e aproveitar o talento e o poder de compra. Mas as associações de defesa do direito à habitação acreditam que o fenómeno vai agigantar a falta de casas com rendas acessíveis. O visto para trabalhadores remotos pode ser pedido a partir de hoje.
"Portugal entrou num modelo económico que assenta exclusivamente no turismo e no imobiliário, o que está a criar uma enorme crise habitacional", defende Rita Silva. O membro da direção da associação Habita acredita que o mercado do alojamento nas grandes cidades está cada vez mais orientado para o "arrendamento de curta duração", que favorece os que estão de passagem pelo país, como os trabalhadores remotos.
A realidade não escapa inclusive aos que entram no país e reconhecem as mudanças nas cidades. "De um ponto de vista ético, o fluxo de nómadas digitais tornou o arrendamento mais caro e difícil. O que é terrível para os locais", aponta Jemma Porter, uma copywriter que trabalhou remotamente a partir de Lisboa, em 2018.
Durante a estadia em Portugal, a escocesa arrendou apartamentos através da plataforma Airbnb, por "exigir menos documentação". Passou também pelo Algarve.
Gonçalo Hall, presidente da Digital Nomad Association Portugal, afirma que "os nómadas digitais ficam normalmente menos de seis meses e não entram no alojamento de longa duração". O responsável defende que o alojamento local, em demasia nas grandes cidades, não é culpa dos trabalhadores remotos. Apesar do bom ponto de partida da criação do novo visto, defende que o futuro passa por descentralizar os nómadas pelo país.
Por seu lado, Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, teme que, com a aposta na vinda de estrangeiros para Portugal, a "especulação imobiliária continue" notória, sobretudo no valor das rendas. O novo visto será concedido a trabalhadores remotos que ganhem mais de 2800 euros brutos.
Porto com 3600 por mês
Katie Macleod, escocesa de 28 anos, passou por Lisboa, Peniche e Porto, em 2018. "Havia muito falatório entre a comunidade de nómadas digitais de que Portugal era um ótimo destino", diz.
A designer gráfica confessa que, apesar da grande oferta de apartamentos no Airbnb, sobretudo em Lisboa, decidiu ficar em hostels para interagir com os viajantes. Como nómada, já esteve em mais de 50 países e documenta as aventuras no seu blog (katiegoes.com).
Os municípios de Lisboa, Cascais, Idanha-a-Nova e Faro têm sido procurados por nómadas digitais, mas as autarquias não têm uma contabilização exata desta população. A Câmara do Porto aponta que, no segundo trimestre deste ano, chegaram 10 801 trabalhadores remotos à cidade, o que corresponde "a uma média de 3600 chegadas por mês". Até ao fim de 2023, devem ultrapassar as cinco mil mensais.
O Governo regional madeirense contabiliza "mais de 7400 nómadas digitais [que] já viveram e trabalharam na Madeira e no Porto Santo", desde fevereiro de 2021. O executivo lançou a iniciativa "Digital Nomads Madeira Islands" em 2020 e estima que cada nómada gaste cerca de 1800 euros por mês com estadia, transporte e alimentação.
"São pessoas com poder de compra acima da média nacional, com um bom padrão de consumo", refere fonte da Câmara de Cascais. Já a autarquia de Faro acredita que o fenómeno poderá permitir a fixação de empresas tecnológicas e de talento de forma permanente. Em locais de baixa densidade populacional, a presença de estrangeiros irá refletir-se num saldo migratório positivo.
Trabalhadores remotos ajudam aos negócios em Idanha-a-Nova
Armindo Jacinto, presidente da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, refere ao JN que há novas empresas, com sede no município, que são detidas por nómadas digitais. O objetivo da autarquia, diz, é proporcionar "conforto" em espaços de coworking (partilha da instalação e dos recursos de um escritório), nas temporadas em que os trabalhadores remotos estiverem na vila. O autarca quer que os nómadas digitais se sintam bem-vindos em Idanha-a-Nova, sendo que as populações locais são "agentes importantes" na integração. Desde 2019 que o concelho tem saldo migratório positivo, ou seja, são mais os que entram do que os que saem do território.
Saber mais
Facilidade
Os vistos de estada temporária e autorização de residência para nómadas digitais exigem contrato de trabalho, promessa de contrato de trabalho ou declaração do empregador a comprovar o vínculo laboral. Para os trabalhadores independentes, é pedido um contrato de sociedade, de prestação de serviços ou outro documento de prova.
Rendimentos
Tanto para os trabalhadores por conta de outrem como para os "freelancers", os rendimentos médios mensais nos últimos três meses devem ser, no mínimo, de "quatro remunerações mínimas mensais". O que significa, em Portugal, cerca de 2820 euros por mês.
Passado
Até agora, os nómadas digitais de fora da União Europeia ou do Espaço Schengen, como os norte-americanos, entravam em Portugal com o visto D7, idealizado para reformados estrangeiros. Gonçalo Hall, presidente da Digital Nomad Association Portugal, diz que o visto vem acabar com a "zona cinzenta" na lei.
Duração
O visto de estada temporária em Portugal permite a entrada e a permanência em território nacional num período até um ano. Segundo Gonçalo Hall, os nómadas digitais não ficam, por norma, mais de seis meses em Portugal. Com o novo regime de entrada de imigrantes no país, passa a existir um visto de seis meses para um estrangeiro procurar trabalho no país.