O paradigma de campanha mudou nestas eleições autárquicas, com muitas ações a transferirem-se da rua para as redes sociais e os políticos a serem mais seletivos no formato escolhido para passar as suas mensagens.
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As eleições de domingo vieram trazer uma nova realidade à campanha autárquica, que termina esta sexta-feira em todo o país, notando-se uma menor divulgação de ações de rua um pouco por todo o país, mas sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa.
"Os agentes políticos são muito racionais e hoje há muito profissionalismo em tudo aquilo que se faz. E, nesse sentido, um eventual menor número de atividades do foro partidário pode ter a ver com uma nova realidade. No passado, nas campanhas eleitorais, o que é que constatávamos? Que são campanhas muito festivas, que envolvem tradicionalmente bombos, gaitas de foles. Ora bem, esse tipo de campanhas na maior parte dos países europeus já não se usa", elucida o politólogo José Palmeira.
Ações "dia sim, dia não"
Na capital, por exemplo, a agenda do social-democrata Carlos Moedas (atual presidente e recandidato) não teve ações eleitorais divulgadas à comunicação social no dia do debate concelhio na RTP, tal como nos dias que antecederam a campanha oficial, ao contrário dos principais adversários.
Além das intermitências nas agendas - com ações em modo "dia sim, dia não", uma realidade que "contagiou" os concelhos vizinhos da capital, como Almada, Setúbal, Sintra ou Cascais -, várias candidatos transferiram a habitual divulgação junto dos meios de comunicação social para as redes sociais, onde os seus slogans, muitas vezes compostos apenas por um verbo associado ao nome do concelho, ressoaram.
Ao invés de divulgarem previamente os seus atos, preferiram em muitos casos partilhá-los nestas plataformas, como aconteceu com o presidente da Câmara Municipal de Loures, o socialista Ricardo Leão, que é recandidato ao cargo. "Se compararmos com outras eleições autárquicas, pode ser que este ano esteja a haver menos ações de rua muito por causa de uma aposta maior nas campanhas de comunicação digital", avaliou o consultor José Pedro Mozos, que defende existir "uma simbiose maior" entre os dois tipos de formato de campanha.
A mesma premissa é defendida por Carlota Burnay, que não considera que os candidatos autárquicos "tenham baixado as iniciativas".
"Agora, as campanhas socorrem-se muito do digital. Portanto, mesmo que não andem na rua, as pessoas ficam com a perceção de que algo está a acontecer. Os vídeos não são publicados no imediato, são publicados um pouco mais tarde", notou.
"É uma luta muito diferente"
Para a fundadora da agência de comunicação Buzzness, a digitalização das campanhas políticas veio retirar "algumas pessoas das ruas", até porque está provado que "o digital tem funcionado muito a nível das campanhas autárquicas".
"A luta autárquica é uma luta muito diferente de uma luta legislativa: a legislativa é o ponto a ponto, a autárquica é quase que um frio de prumo. Nós temos que medir muito bem aquilo que dizemos", alertou a consultora, revelando que, por vezes, os partidos evitam divulgar "onde é que andam para não haver concorrência" e os rivais não tentarem "boicotar" as suas ações.
Já José Palmeira, professor auxiliar do Departamento de Ciência Política na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, aponta a "hipermediatização" como outros dos possíveis fatores para a redução de ações de rua, com os candidatos a serem mais seletivos e a concentrarem-se noutro tipo de atividades, como os debates.
"Há uma ligação direta permanente entre os eleitores e os eleitos, porque hoje temos canais de televisão que dão 24 horas de notícias por dia, temos redes sociais. As campanhas eleitorais não são propriamente um fator de novidade, são apenas um fator de mobilização. E para os partidos não serem, digamos assim, tão insistentes em modelos que no passado eram muito habituais, é porque chegaram à conclusão que, de facto, não vale a pena", estimou.
Também José Pedro Mozos acredita que nas autárquicas "a comunicação é muito mais direta entre eleito e eleitor, entre político e eleitor".
"É um canal privilegiado, mas é também um canal que, muitas vezes, dispensa o escrutínio, dispensa a intermediação. Para muitos políticos, isso é mais confortável do que estar a chamar a comunicação social, sabendo à partida que, numas eleições autárquicas, a comunicação social não pode estar em todo o lado ao mesmo tempo", realçou.
Carlota Burnay alerta ainda para o facto de a maioria dos candidatos autárquicos não viverem só uma vida política. "São pessoas que têm de coadunar a sua vida profissional com a campanha propriamente dita. Portanto, logo aí, com as questões dos horários e com o teletrabalho [...], torna-se muito difícil", completou.
Nas eleições autárquicas, que decorrem entre as 8 horas e as 20 horas de domingo, os eleitores vão escolher os órgãos dirigentes de 308 câmaras municipais, 308 assembleias municipais e 3.221 assembleias de freguesia. Outras 37 freguesias vão escolher o executivo em plenários de cidadãos, por terem menos de 150 votantes.